Se você é servidor público, sabe o quão complicado pode ser responder a um PAD.
O simples fato de estar passando por esse tipo de processo gera um estresse e atrapalha até a vida do servidor com sua família.
Em casos extremos, aqui no escritório, já vimos casamentos que acabaram por conta de um PAD.
É, realmente, uma situação delicada para a vida do servidor.
Contudo, existem situações que podem gerar a nulidade de um PAD, e mesmo que o servidor tenha sido punido com uma demissão, a nulidade do PAD é passível de ser revertida na via judicial.
Ou seja, o servidor ajuizar uma ação específica com o intuito de anular a decisão tomada pela Administração Pública.
Quando um PAD é anulado na via judicial, existem duas consequências básicas:
- O servidor é reintegrado ao cargo de origem;
- O servidor faz jus ao recebimento de todas as remunerações que deixou de perceber no período entre a sua demissão e o retorno ao órgão.
Esse segundo ponto é o mais interessante.
Vamos entender, na prática, como se dá o recebimento das remunerações do período de afastamento.
Entendendo a situação na prática
Em determinado caso, aqui no escritório, uma cliente foi demitida, irregularmente, após tramitação de um PAD.
Como ela estava em estágio depressivo, demorou algum tempo para buscar a tutela jurisdicional.
Quando nos procurou, já desacreditava na possibilidade de reaver seu cargo no serviço público.
Ajuizamos a ação, com pedido liminar e ela não só reaveu o cargo como teve o direito reconhecido de receber todos os vencimentos do período em que ficou afastada do serviço.
Direito esse reconhecido, diga-se de passagem, mesmo não tendo trabalhado.
Como o seu salário era razoavelmente alto, ela acabou ganhando recebendo uma generosa quantia ao final do processo.
Nada mais justo, para quem passou tanto tempo sob a privação de ter que enfrentar uma já complicada condição (a depressão), sem receber nenhum centavo do poder público.
Mostrando em números, temos o seguinte:
Salário da servidora: R$11.000,00
Quantidade de meses que deixou de receber até o retorno por sentença judicial: 26 meses
Logo, temos 26x R$11.000,00 = R$286.000,00
Esses valores ainda foram atualizados com os índices oficiais de correção.
Recebimento das remunerações do período não trabalhado tem caráter indenizatório
Sobre o direito ao recebimento do montante que deixou de receber durante o período de afastamento, a jurisprudência já vem decidindo de modo favorável há algum tempo.
O que tem ocorrido é que, quando o servidor procura a Justiça para anular o seu PAD, as procuradorias têm oferecido uma defesa no mínimo curiosa.
Elas argumentam que, mesmo que o servidor seja reintegrado em seu cargo, ele não poderia receber as remunerações do período não trabalhado.
O argumento seria a conhecida tese jurídica do enriquecimento sem causa.
Em termos simples, seria algo do tipo “se não trabalhou, não há motivo para receber”.
Ocorre que os Tribunais não têm aceitado a tese do enriquecimento sem causa.
O direito do servidor de receber os vencimentos e todas as vantagens do período não trabalhado é indenizatório.
E o que isso quer dizer?
Também em termos simples: “não trabalhou, mas porque foi impedido”.
Como a atividade laboral do servidor foi suprimida pela demissão indevida, temos o caráter indenizatório como forma de compensação.
Dessa forma, se alguém não pode trabalhar contra a sua vontade, o recebimento dos vencimentos do período não trabalhado são recebidos como uma forma de indenização.
Vou transcrever aqui a ementa de um julgado do STJ, que julgou o caso de um servidor público municipal demitido que reverteu a demissão na via judicial.
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.276.939 – CE (2018/0085224-7) RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA AGRAVANTE : MUNICIPIO DE IPU ADVOGADO : RAIMUNDO AUGUSTO FERNANDES NETO E OUTRO (S) – CE006615 AGRAVADO : MANSUETO FELIX DE FARIAS ADVOGADO : JOÃO PAULO JÚNIOR – CE011081 DECISÃO Trata-se de agravo manejado pelo MUNICÍPIO DE IPU contra decisão que não admitiu recurso especial, este interposto com fundamento no art. 105, III, a da CF, desafiando acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, assim ementado (fl. 122): EMENTA: APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. ANULAÇÃO PELA VIA JUDICIAL DO DECRETO QUE EXONEROU O AUTOR DO CARGO PÚBLICO. INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE AOS VENCIMENTOS QUE DEVERIA TER AUFERIDO NO PERÍODO EM QUE FOI AFASTADO DE FORMA ILEGAL DO EXERCÍCIO FUNCIONAL. A REINTEGRAÇÃO DO SERVIDOR EXONERADO ILEGALMENTE OPERA COM EFEITOS EX TUNC. DIREITO DO SERVIDOR AO TEMPO DE SERVIÇO E AOS VENCIMENTOS QUE LHE SERIAM PAGOS NO PERÍODO DO AFASTAMENTO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR QUE EVITA A ALEGAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO TJCE. RECURSOS CONHECIDOS, MAS DESPROVIDOS.
O Tribunal que julgou esse caso é o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Os seus julgados se tornam referência para o posicionamento de juízes de todo o país.
E note os dois destaques que fiz no julgado.
Primeiro, “indenização correspondente aos vencimentos que TERIA auferido (…)”.
O caráter indenizatório é perfeitamente justificável na prática.
Quando o servidor é injustamente demitido, temos que lembrar que ele fica sem receber seus vencimentos desde o momento em que é demitido (ao final do PAD) até o momento em que a decisão judicial é definitiva (quando não cabe mais recursos).
Esse trâmite pode variar muito, sendo possível ações que tramitem até mais de dois anos.
Durante esse período, o mais comum é o servidor enfrentar privações, se endividar para pagar suas contas, além de toda a humilhação sofrida diante da família.
Um último detalhe importante: os efeitos da decisão judicial são ex-tunc
No segundo destaque em negrito, marquei um termo jurídico muito importante.
Efeito ex-tunc.
É o termo latino usado por juristas para a ideia de que os efeitos da decisão judicial são retroativos.
É isso que garante o direito do servidor de ser ressarcido de todos os valores que deixou de receber durante seu afastamento, com juros e correções monetárias.
É essa a palavra-chave do julgado do STJ, que garante ao servidor o direito de receber pelo período não trabalhado.
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Esse artigo foi escrito a partir da nossa experiência com o atendimento de nossos clientes.
O foco não foi dar aula de Direito, mas falar a partir da perspectiva de quem sofre o problema, não de quem o estuda academicamente.
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