Servidor Público ativo tem direito a isenção de imposto de renda em caso de doença grave?

Um Servidor Público da ativa, que seja portador de moléstia grave, pode pedir isenção do Imposto de Renda para custear seus medicamentos e tratamentos? Ou esse benefício só é estendido aos servidores aposentados? É sobre esse tema, polêmico nos Tribunais, que vamos tratar neste artigo

A origem da polêmica

Primeira coisa que precisamos saber é onde surge essa polêmica. A resposta está na própria Lei que foi criada para alterar a legislação do Imposto de Renda em 1988. Por conta da forma como a Lei foi escrita, ficou uma margem de interpretação que tornou a questão da isenção problemática. Veja como a regra é estabelecida no Artigo 6º da Lei 7.713:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;   
A impressão que fica é que a regra não se aplica a servidores da ativa, mas apenas à aposentados.

Atenção ao detalhe

Mas, no Direito, questões polêmicas são resolvidas se atendo aos detalhes. Veja o trecho da Lei: “(…) os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço E os percebidos pelos portadores (…)” Perceberam o “E”? A lei estabelece então dois casos em que cabe a isenção do Imposto de Renda:
  • proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço; e
  • proventos percebidos pelos portadores de moléstia profissional (servidor ativo ou aposentado).
Daí, o restante do texto legal traz traz uma lista extensa de doenças que podem se enquadrar como “moléstia grave”.

O conectivo “E” fez toda a diferença nos tribunais

O conectivo “e” traz uma interpretação que o benefício de isenção do Imposto de Renda aplica-se aos (a) proventos de aposentadoria e os (b) percebidos pelos portadores de moléstias graves. Ou seja, a Lei não fez diferenciação entre servidores ativos e aposentados. Ocorre que a Receita Federal não faz essa interpretação e acaba não aceitando a isenção de servidores ativos. Na verdade, já tivemos a oportunidade de ver servidores aposentados que tiveram a isenção negada por Estados e Municípios, inclusive. Nestes casos, o Servidor acaba sendo obrigado a buscar seus direitos na Justiça. E quando essas causas chegaram aos Tribunais, a situação foi vista de outra forma. Primeiro, a interpretação extensiva do conectivo “e” é feita de forma majoritária. Ou seja, a maioria dos tribunais entende a isenção como direito de Servidores da Ativa com moléstias graves, não só aposentados.

A Função Social da Norma

Em segundo lugar, existe uma interpretação de que deve ser levado em consideração a Função Social da Norma. O que isso significa? Toda lei é editada para cumprir uma função social. No caso da Lei 7.713, de 1988, a sua função social é de ajudar a pessoa portadora de moléstia grave a ter maiores condições financeiras para arcar com os custos de seus tratamentos. A ideia é que a isenção do Imposto de Renda vai trazer maior poder financeiro para a pessoa, o que é muito benéfico para pagar os tratamentos em prol da cura. Também devemos considerar que, em 1988, quando a Lei foi feita, nós não tínhamos a mesma capacidade médica para tratar de doenças graves como hoje em dia. Em muitos casos, Isso obrigava as pessoas a se aposentarem, pois os tratamentos eram muito debilitantes. Passando mal por muito tempo com os medicamentos e tratamentos disponíveis, o mais prático era aposentar a pessoa. Trazendo a situação para o nosso contexto, hoje já é uma situação normal a pessoa ter um câncer, nos seus 40 ou 50 anos, mas conseguir permanecer trabalhando. Isso mesmo tomando medicação forte e sob tratamento, que já são mais eficazes, inclusive com muito mais chances de cura. É bem verdade que a patologia até pode trazer várias dificuldades para o servidor, mas se ele  ainda tem potencial para trabalhar, não justifica aposentá-la por invalidez para que ela consiga o benefício de isenção do IR. Por isso,  juízes e desembargadores estão entendendo que a isenção do IR deve ser aplicada ao servidor ativo também. Dessa forma, ele acaba é beneficiado com mais recursos financeiros para subsidiar seus tratamentos (que, via de regra, são caros) e continuam prestando sua força laboral à Administração Pública, sem precisar se aposentar.

E quais são estas patologias?

Segue, abaixo, a lista das patologias consideradas graves que dão direito à isenção ao Imposto de Renda ao servidor público:
  • moléstia profissional;
  • tuberculose ativa;
  • alienação mental;
  • esclerose múltipla;
  • neoplasia maligna;
  • cegueira;
  • hanseníase;
  • paralisia irreversível e incapacitante;
  • cardiopatia grave;
  • doença de Parkinson;
  • espondiloartrose anquilosante;
  • nefropatia grave;
  • hepatopatia grave;
  • estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante);
  • contaminação por radiação;
  • síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS);
Lembrando que a doença tem que ser diagnosticada com base em conclusão de medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma.

Mas, afinal, o servidor público ativo tem ou não direito à Isenção do Imposto de Renda

Sim, o servidor público ativo tem sim o direito de obter a isenção do IR se for portador de alguma das doenças previstas no art. 6º, inciso XIV, da Lei 7713/88. Isso com base no entendimento dos Juízes e Tribunais. E conforme prometido em nosso vídeo, deixamos aqui uma Jurisprudência (que é uma interpretação feita pelos Tribunais) do Tribunal Regional Federal da Primeira Região.
NEOPLASIA MALIGNA. ISENÇÃO. RENDIMENTOS DA ATIVIDADE.
1. O acórdão embargado decidiu: A isenção do imposto de renda, prevista na Lei 7.713/1988, art. 6º/XIV, aplica-se também à remuneração de servidor em atividade. 2. Não obstante o disposto no art. 111 do CTN e o REsp nº 1.116.620-BA, representativo de controvérsia, r. Ministro Luz Fux, 1ª Seção, a orientação da 4ª Seção deste Tribunal contém adequada e específica fundamentação estendendo o benefício fiscal também para o servidor em atividade, levando em conta o fim social a que se destina o art. 6º/XIV da Lei 7.713/1988 (CPC, art. 8º): 3. Segundo a melhor doutrina, “não há lei que não contenha uma finalidade social imediata… O intérprete-aplicador poderá: …b) aplicar a norma a hipóteses fáticas não contempladas pela letra da lei, mas nela incluídas, por atender a seus fins. Consequentemente, fácil será perceber que comando legal não deverá ser interpretado fora do meio social presente; imprescindível será adaptá-lo às necessidades sociais existentes no momento de sua aplicação. Essa diversa apreciação e projeção no meio social, em razão da ação do tempo, não está a adulterar a lei, que continua a mesma” (Maria Helena Diniz, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro Interpretado). Embargos declaratórios da União/ré provido sem efeito infringente. (EDAC 0035940-64.2014.4.01.3300 / BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NOVÉLY VILANOVA, OITAVA TURMA, e-DJF1 de 07/04/2017)
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22 respostas

  1. Dr. bom dia, você poderia fazer a gentileza, caso você tenha, de me enviar um modelo de petição de isenção de imposto de renda de servidor na ativa (cegueira monocular). Gostaria de ajudar um amigo, porém estou com muitas dúvidas e gostei muito do seu video. Desde já obrigado.

  2. BOA TARDE SOU SERVIDOR PUBLICO MUNICIPAL DE SOROCABA . SOU MONOCULAR COMO FAÇO PARA TER ESTA ISENÇÃO,TENHO QUE ENTRAR COM PROCESSO OU SÓ COLOCO NA DECLARAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA

  3. Bom dia. Gostaria de solicitar judicialmente a minha isenção do imposto de renda por cardiopatia grave. Sou servidora pública municipal ativa e moro em Florianópolis. O senhor teria alguma indicação de advogado para o caso na minha região? Agradeço desde já

  4. Caro colega, parabéns pelo texto escrito de forma bastante intuitiva e sem devaneios e ainda com a jurisprudência atualizada do assunto. Você é mais uma prova que dividir conhecimento só agrega valor, sucesso!

  5. Boa tarde Dr. Merola,

    Em que pese minha concordância com sua posição sobre o tema, principalmente em relação à função social da norma e sua “ratio legis”, sabemos que, pelo menos até 2013, a posição jurisprudencial do STJ e do STF era pela interpretação literal do texto, por se tratar de uma isenção. Assim, ambas as casas afastam o benefício ao servidor da ativa. Sabemos também que tanto o TRF1, quanto o TRF5 possuem julgados em sentido oposto, inclusive mais recente que a última decisão do STJ. Por acaso, você tem notícia de alguma nova decisão do STJ ou STF no sentido de interpretar a norma de forma extensiva, alcançando sua verdadeira expressão social?

    No aguardo de um retorno,

    Att,

    Pedro Doin
    Advogado – OAB/SP 414.637
    pedrodoinadv@gmail.com

    1. Pedro, tem decisão do STJ, de 2019, que não aplica esta interpretação extensiva ao rol do inciso XIV. Nada adianta interpor, ter êxito nos Tribunais Estaduais e Federais, pois no STJ a jurisprudência ainda é pacífica no entendimento de que a isenção não se aplica para servidores da ativa.
      Penso que só irão alterar o posicionamento quando for julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.025, interposta pela PGR, no STF, que trata deste assunto. Enquanto isto, a interposição de ação para servidores na ativa, é apenas gastar dinheiro sem resultado efetivo.

      1. Sou funcionário Municipal tenho espondiloartrose anquilosante tenho laudo pericial de invalidez permanente .ainda não fui aposentado eu tenho direitt a isenção do imposto de renda. e aposentadoria integral. doenca grave

  6. Sou funcionária pública do município de sp. Tive câncer em 2010 , hoje faço apenas acompanhamento e tomo medicação. Continuo trabalhando estou na ativa e gostaria de saber se tenho direito a isenção de imposto de renda.

  7. RECEBO UM PRECATORIO DE SUCUMBENCIA QUE ERA DE 1999, EM 1997 ME APOSENTEI, AGORAMDIZEM QUE TENHO QUE PAGAR 60.000,00 DO IR PELO PRECATORIO, ESTOUCOM CANCER FAZ 5 ANOS. ME APOSE NTEI EM 1997, COMO ADVOGADA DA RRFSA. GOSTARIA DE SABER SE TENHO QUE PAGAR O PRECATORIO. QUALQUER COISA PRECISO DE UM ADVOGADO. MEU GMAIL E ” LUCIA.LAGOKONIG@GMAIL.COM. SOU DEPORTO ALEGRE-RS

  8. Parabéns spelo assunto abordado sou funcionario publico na ativa e portador de cardiopatia grave entrei com o pedido da isenção e a prefeitura indeferiu faz 10 anos do protocolo sofri outro infarto e outra o intervenção cirúrgica entrei com uma representação na justiça de Rondônia. Obrigado por entender melhor este assunto com suas publicações parabéns

  9. Boa tarde,

    Sou Servidor Público Municipal, há 15 anos sofro com problemas na coluna. Foi constatado comprometimento total da Sacro Lombar – Espondiloartrose Anquilosante. Fiz recentemente nova Ressonância e o Laudo aponta elevado comprometimento. Estou fazendo tratamento de reabilitação em clinica especializada e Pilates por indicação Médica.
    Como procedo para conseguir a Isenção do Imposto de Renda.
    Grato pela atenção.

  10. BOM DIA . SOU SERVIDOR ATIVO DO MINISTÉRIO DA INFRAESTRUTURA . TENHO MIOCARDIOPATIA GRAVE. FIZ UMA PERICIA NO INSS QUE CONSTATOU O DIREITO DA ISENÇÃO EM NOVEMBRO DE 2006. QUERO SABER SE POSSO USUFRUIR DESTE DIREITO EM MEUS PROVENTOS NA ATIVA.

    ATT
    JADIR

  11. Sou servidora municipal, com 32 anos de serviço, deficiente fisica, poliomielite perna direita, como ficar isenta de ir, mesmo em atividade.

  12. O texto é maravilhoso! Preciso sanar uma dúvida: posso reivindicar, através da competente ação, o ressarcimento dos valores cobrados enquanto eu estava em atividade? Inara

  13. Sergio, de nada está adiantando o posicionamento dos Tribunais Estaduais e Federais, pois STJ barra todas as ações neste sentido, ainda entendendo que não cabe esta interpretação. Ou seja, gasta-se dinheiro para interpor ação, sabendo-se que ao final o resultado será revertido pelo Superior Tribunal de Justiça.

  14. Olá, descobri através de biópsia um cancer inicial no estômago. Fiz o procedimento indicado pelo médico e talvez ele tenha sido retirado. Mesmo assim posso dar entrada na isenção de imposto de renda?? Tenho 43 anos e sou servidora ativa.

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