Por Carlos Eduardo Vinaud, advogado especializado em Direito Imobiliário e Condominial

Se você já comprou um lote, deve ter passado por isso que vou te contar.
Esse parece um comportamento padrão das loteadoras.
Depois que você compra o lote, recebe uma ligação ou uma notificação, avisando da obrigação de pagar o IPTU/ITU.
Costuma ser notificação por carta, mas agora é mais comum a notificação por e-mail, mensagem SMS e até WhatsApp.
No momento de assinar o contrato (que muitos não leem), nada é tratado sobre o pagamento do imposto.
O aviso pega muitos desprevenidos e o pagamento do tributo nem sempre cabe no orçamento do mês.
O pior de tudo, contudo, é que ameaçam de negativação perante o SPC e SERASA, no caso de não pagamento.
De quem é a obrigação de pagar?
Contudo, já sabemos que as loteadoras não podem transferir ao consumidor a responsabilidade pelo pagamento do IPTU/ITU até a entrega efetiva do imóvel.
Mesmo depois que você assina o compromisso de compra e venda, não pode ser obrigado a pagar o tributo.
PUBLICAÇÃO: Escrevi um texto que fala especificamente sobre isso.
Você não precisa pagar IPTU/ITU de imóvel não entregue (e pode pedir devolução do que já pagou).
Agora, vou falar de um outra questão importante: a possibilidade de ser indenizado, por danos morais, quando essa cobrança indevida do IPTU/ITU é feita.
Antes de mais nada, já vou avisando que não é uma coisa automática: basta cobrar o IPTU/ITU antes da hora que você ganha uma indenização de danos morais.
E se alguém te disser isso, estará te enganando.
Vamos entender como funciona essa história de “dano moral” por cobrança indevida do IPTU/ITU.
O Dano Moral na transferência da obrigação de pagar o IPTU/ITU

Primeira coisa que precisamos entender: a transferência da obrigatoriedade do pagamento do IPTU/ITU, de imóvel que será entregue no futuro, a partir da data da assinatura do compromisso de compra e venda, é uma prática abusiva.
Você vai entender isso melhor lendo a publicação que citei mais acima.
Primeiro, que, segundo a Lei, o contribuinte do IPTU/ITU é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor.
É o que consta no Código Tributário Nacional, art. 34: “Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título”.
Aquele que assina o compromisso de compra e venda não é considerado proprietário.
E se não recebeu o imóvel, também não é titular do domínio ou possuidor do imóvel.
Contrato de compromisso de compra e venda: relação de consumo

Outro fator que deve ser considerado, tem a ver os contratos de compromisso de compra e venda de imóvel.
O Superior Tribunal de Justiça entende que esses contratos envolvem uma relação de consumo e são contratos de adesão.
Para que fique claro, o contrato de adesão é aquele cujas cláusula são preestabelecidas unilateralmente pela loteadora.
Ou seja, não há liberdade contratual de definir, em comum acordo com a loteadora, os termos do contrato.
Cabe ao consumidor apenas aceitar os termos ou não fazer o negócio.
Assim, ao transferir a responsabilidade do pagamento do tributo para o promitente comprador (aquele que assina o compromisso de compra e venda), a loteadora incorre em prática abusiva contra o consumidor.
Eu chamo de “promitente comprador” porque ele não temos um contrato de compra e venda, mas de promessa de compra e venda (lembre-se que o bem imóvel ainda não foi entregue).
Ocorre que, essa prática abusiva se desdobra em outras práticas abusivas.
Outras práticas abusivas decorrem da transferência da responsabilidade do pagamento do IPTU/ITU
É o caso da ameaça de negativação perante os órgãos de proteção ao crédito, como mencionamos mais acima.
Essa prática também é abusiva, pois, quem de fato possui o encargo da quitação do ITU/IPTU até a entrega do imóvel é a própria Loteadora.
A transferência indevida de responsabilidade gera uma cobrança igualmente abusiva.
A cobrança abusiva tem duas consequências.
A primeira delas a chamada “repetição de indébito”, conforme regra do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Pela lei, o consumidor tem o direito de reaver o dinheiro pago em dobro, com juros e correção monetária.
Finalmente, o dano moral

A segunda consequência é o dano moral.
Esse é um caso mais complexo, e vou citar um exemplo para você entender.
Uma loteadora, de forma indevida, realizou a transferência de titularidade do imóvel perante a Prefeitura do respectivo município da situação do imóvel.
Fez isso sem o conhecimento do consumidor, que ficou sujeito às cobranças por parte do órgão fazendário municipal, de uma dívida que nem é sua.
Nesse caso, a Prefeitura fez a cobrança administrativa, negativou nos órgãos de proteção ao crédito (SPC/SERASA) e fez o protesto da dívida.
Também incluiu o nome na dívida ativa, estando o consumidor sujeito à execução fiscal, que é a cobrança judicial da dívida.
O consumidor ajuizou uma ação contra a loteadora, para questionar os atos abusivos.
Em primeira instância, foi declarada nula a cláusula do contrato que transferia a responsabilidade do pagamento do IPTU/ITU ao consumidor.
A loteadora foi condenada a regularizar os débitos junto à Prefeitura e a indenizar, por danos morais, o consumidor, no valor de R$ 5.000,00.
Fonte: Processo nº 5464016.80.2019.8.09.0174 – Juizado Especial Cível de Senador Canedo/GO.
Enfim, tem dano moral ou não?
Em uma ação contra a loteadora, sempre será possível pedir dano moral.
Pedir é uma coisa, conseguir é outra muito diferente.
Não preciso me delongar muito em explicar que as decisões judiciais, no Brasil, não são muito padronizadas.
Já ouviu aquela brincadeira: “cada cabeça, uma sentença”?
A questão aqui é: quando um pedido de dano moral, na situação que tratamos, terá alguma chance de ser considerado procedente pelo juiz (ou pelo Tribunal, em caso de recurso).
Já sabemos que, do ponto de vista legal, quem possui o encargo da quitação do ITU/IPTU até a entrega do imóvel é a própria loteadora.
É ilícita a transferência dessa responsabilidade ao compromissário comprador, conforme entendimento do Poder Judiciário.
Um decisão judicial importante e recente de Goiás

O Tribunal de Justiça de Goiás tem uma decisão recente (05/03/2020), concedendo 2.000 reais de danos morais a um promitente-comprador, por ter seu nome inscrito na dívida ativa.
Na ação, ele alegou que firmou um contrato de compromisso de compra e venda de uma unidade imobiliária, em 2012, junto a uma empresa de engenharia.
Contudo, descobriu que a empresa não havia feito o pagamento do IPTU e da Contribuição de Iluminação Pública, dos anos de 2010, 2011 e 2012, não havia sido feito.
O nome do promitente-comprador foi inscrito na dívida ativa do município, quando a responsabilidade pelo pagamento do tributo, no período, era da empresa de engenharia.
Em ação judicial, ele pediu a restituição do valor pago e a indenização por danos morais, em virtude do nome inscrito na dívida ativa.
A empresa entrou com recurso, mas perdeu.
Para a relatora do processo, a Desembargadora Nelma Branco Ferreira Perilo:
(…) houve a venda do imóvel, com ônus dos impostos pendentes ao promitente comprador, o que gerou a inclusão do seu nome na dívida ativa, resultando no dever de indenizar independente da prova do abalo sofrido, sob forma de dano presumido (dano moral in re ipsa).
Confira a decisão do TJ-GO – clique aqui.
Em resumo
Em resumo, a transferência da obrigação do pagamento do IPTU/ITU pode gerar uma indenização por dano moral.
Sobre o dano moral, o entendimento dos tribunais (inclusive do STJ) é que, quando há negativação do nome do consumidor, não havendo a dívida, presume-se o dano moral.
No caso de protesto e inscrição na dívida ativa pode gerar o dano moral, em virtude disso gerar um transtorno maior para o consumidor, como no caso do TJ-GO.
Também tem sido aceito o dano moral em caso de cobranças insistentes, que gerem um incômodo muito grande na vida do consumidor.
Mas, estamos falando de um incômodo insuportável, de uma insistência que gera transtorno na rotina da pessoa.
Ligações ou mensagens esporádicas não vão gerar dano moral.
Aqui, apenas a análise das particularidades de cada caso permitirá dizer se cabe ou não dano moral.