Por Luiz Fernando Ribas, especialista em Direito Médico e Proteção Jurídica à Saúde

Se você é médico ou agente de vigilância epidemiológica, sugiro que você leia esta publicação sobre o coronavírus até o final.
A Portaria 356, de 11 de março de 2020, do Ministério da Saúde, garantiu aos médicos e agentes de vigilância o direito de denunciarem, à polícia e ao Ministério Público, pacientes que se recusarem a cumprir a medida de isolamento, devido ao coronavírus.
A medida foi decretada pelo Governo Federal como forma de prevenção à propagação do vírus Conad-19.
Médicos e agentes de vigilância epidemiológica podem prescrever a medida de isolamento por um prazo de 14 dias, que pode ser extendido, a depender do caso, por mais 14 dias.
Qual é o objetivo da Portaria do coronavírus?

Segundo a portaria, a medida de isolamento tem como objetivo a separação de pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação clínica e laboratorial, para evitar a propagação da infecção e transmissão local.
Segundo a recomendação ministerial, a medida de isolamento deve ser feita, preferencialmente, no domicílio.
Mas, em casos mais graves, conforme o estado clínico do paciente e recomendação médica, poderá ser feita em hospitais públicos ou privados.
A portaria 356/2020 foi publicada para regulamentar a Lei 13.979/2020.
Essa lei trata das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, especificamente criada para o caso do surto de coronavírus, iniciado ainda em 2019.
A Portaria determina a adoção 8 tipos de medidas possíveis que podem ser tomadas, sendo que vale mencionar 3 (de importância para o médico):
- quarentena;
- isolamento
- realização compulsória (obrigatória) de exames médicos, laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação, outras medidas profiláticas e tratamentos médicos específicos.
Qual é responsabilidade do médico e do agente de vigilância epidemiológica?

A quarentena visa garantir a manutenção dos serviços de saúde, mas a sua decretação é de responsabilidade da autoridade competente (secretários de saúde estaduais ou o Ministro da Saúde).
Ao médico, caberá a prescrição do isolamento e das outras medidas compulsórias.
A recusa e descumprimento de quaisquer dessas medidas, por parte do paciente importa em responsabilização, segundo a portaria e a Lei 13.979, “nos termos da lei”.
O que acontece com o paciente que se recusar ao isolamento?

Na portaria, ou Lei 13.979, não há indicação de qual é a Lei que prevê a responsabilidade do paciente que recusa o isolamento ou quaisquer das medidas previstas na Portaria.
Contudo, sabemos que o Código Penal criminaliza o comportamento de quem coloca a saúde pública em risco.
Exemplos:
- expor a vida ou saúde de terceiros a perigo direto e eminente – Pena: detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave (art. 132);
- causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos – Pena – reclusão, de dez a quinze anos (art. 267);
- infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa – Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa (art. 268).
Ao médico, também há um crime prescrito: deixar de denunciar à autoridade pública doença, cuja a notificação é compulsória – Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. (art. 269).
Dessa forma, em caso de recusa, o médico e agente de vigilância deverão informar a autoridade policial ou o Ministério Público, para que estes tomem as medidas cabíveis.
Para se ter uma ideia da gravidade da situação, na Bahia, o próprio Governador do Estado requisitou à Procuradoria Geral do Estado, que processasse um paciente que, mesmo depois de diagnosticado com o coronavírus, foi passear com amigos em Porto Seguro.
A necessidade de análise laboratorial para diagnostica o coronavírus

A portaria cita ainda a necessidade de análise laboratorial, como prova do risco de transmissão do coronavírus, para que seja prescrita a medida de isolamento.
Essa prova não pode ser negligenciada pelo médico.
Pense comigo: isolamento é uma medida restritiva do direito do paciente.
E temos uma garantia constitucional de livre locomoção, no território nacional, em tempos de paz (Constituição, Art. 5º, XV).
Claro, estamos numa situação excepcional e há uma Lei e Decreto que autorizam o médico a prescrever o isolamento.
Mas, fazer isso sem a realização do exame laboratorial, ou sendo este inconclusivo, pode gerar problemas para o médico.
A própria Portaria deixa claro: é vedado indicar a medida de isolamento quando o diagnóstico laboratorial for negativo para SARSCOV-2.
Sabemos que a segurança da população vem em primeiro lugar.
Mas é preciso estar atento às exigências legais, e a forma como a Lei regulamenta os atos do médico diante dessa crise epidêmica do coronavírus.
Indicação da medida de isolamento em hospitais devido ao coronavírus

Um detalhe importante: apenas o médico pode indicar a medida de isolamento em hospitais.
A medida de isolamento por recomendação do agente de vigilância epidemiológica somente abrange o caso dos contactantes próximos a pessoas sintomáticas ou portadoras assintomáticas, no domicílio.
E se não houver agente de vigilância epidemiológica no Estado?
Daí, o Secretário Estadual de Saúde assume essa responsabilidade.
Como será feita a notificação?
A portaria impõe a necessidade da notificação da medida de isolamento ser feita pessoalmente, devendo ser fundamentada.
Ou seja, não pode ser deixada de lado a justificativa da medida, do ponto de vista de fundamentação médica, e também jurídica.
A portaria 356/2020 traz um modelo (Anexo II) de Termo de Notificação que pode ser usado.
Eu, como advogado, recomendo que você, médico, acrescente, ao final da notificação, as seguintes informações (parte em negrito):
Eu, ______, RG ou Passaporte, declaro que fui devidamente informado(a) pelo agente de vigilância epidemiológica acima identificado, sobre a necessidade de isolamento a que devo ser submetido, bem como as possíveis consquências da sua não realização, conforme normas impostas pela Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, e a Portaria 356, de 11 de março de 2020, que regulamenta a Lei.
Cuidado com o Termo de Consentimento indicado pelo Ministério da Saúde

Outra coisa importantíssima, que tenho falado em várias postagens e publicações aqui do nosso blog: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.
A portaria impõe que a medida de isolamento por prescrição médica deverá ser acompanhada do termo de consentimento livre e esclarecido do paciente.
O Anexo I, da portaria, traz um modelo bastante simples e objetivo que pode ser usado pelo médico.
A bem da verdade, achei o termo indicado pelo Ministério bastante genérico.
Eu tenho falado muito do risco dos termos de consentimentos genéricos.
Acredito que o médico ou agente de saúde podem ser mais precisos com relação às informações do termo, principalmente na parte relativa às “consequências da não realização do isolamento”.
Não se esqueça que, caso for acrescentar algo no termo, que as informações sobre a medida de isolamento sejam claras, precisas e acessíveis.
Confira o texto da Portaria 356 do Ministério da Saúde aqui.