
No ano passado, João (nome fictício) entrou em contato comigo, pedindo uma orientação sobre um processo, que estava em curso há mais de dois anos.
Ele havia feito um empréstimo com o banco num valor bem alto, mas depois de um tempo se viu em uma situação financeira bem difícil.
Ele não conseguiu mais pagar as prestações, que eram bem altas.
Confira minha publicação: Está devendo o banco: ficar parado é a pior solução.
O banco ajuizou uma ação de execução para tentar reaver o seu crédito.
João também me informou que havia dado a sua fazenda em garantia pelo empréstimo.
Na verdade, ele veio me procurar exatamente no momento em que recebeu uma carta, avisando que a fazenda iria à leilão judicial.
Já havia até data marcada para o leilão, e João entrou em desespero.
Foi uma conversa bastante tensa, pois ele já tinha dado a fazenda como perdida.
Fechamos o contrato de honorários e comecei a estudar o caso.
E, por incrível que pareça, foi um detalhe que fez toda a diferença.
Um detalhe importantíssimo, mas que ninguém havia percebido ainda.
O detalhe que fez toda a diferença

Ao me aprofundar no caso, eu acabei descobrindo algumas coisas que não haviam sido corretamente relatadas pelo cliente.
João havia feito um empréstimo no banco, e dado a fazenda em garantia hipotecária, por meio de uma CRH (Cédula Rural Hipotecária).
Analisando a CRH e os documentos a ela vinculados, em especial, a certidão de matrícula do imóvel, verifiquei que a fazenda, na realidade, era de propriedade de um parceiro comercial de João.
Detalhe: o parceiro assinou a Cédula como interveniente anuente hipotecante.
O interveniente anuente hipotecante é aquele que oferece o próprio imóvel, como garantia da dívida de um terceiro; no caso, João.
Até aí, tudo bem!
O problema é que, ao estudar o processo, percebi que o parceiro comercial, proprietário do imóvel, não tinha sido citado no processo.
Pois é, meus caros!
O processo foi ajuizado apenas contra o meu cliente e não colocaram o proprietário do imóvel na ação.
Neste caso, o real proprietário da fazenda é devedor solidário, anuente hipotecante, e pode ser demandado pelo banco e incluído no polo passivo da ação.
Deixa me explicar de forma menos técnica.
Ser devedor solidário significa que o proprietário também responde pela dívida.
O banco pode cobrar a dívida dele, da mesma forma que já estava cobrando do meu cliente.
Ele responde pela dívida com o seu patrimônio, no caso, a fazenda dada em garantia.
O processo já estava com leilão marcado e ninguém tinha visto esse detalhe. Nem nem mesmo o juiz percebeu.
Imediatamente, peticionei no processo, pedindo a nulidade do leilão, uma vez que o proprietário sequer tinha sido citado ou intimado para apresentar defesa.
A jurisprudência estava a meu favor

Haviam alguns precedentes judiciais a meu favor.
Recentemente, o STJ proferiu importante decisão, numa causa envolvendo a execução de créditos em garantia hipotecária.
No julgamento do Recurso Especial 1649154-SC, ficou decidido que a intimação do terceiro garantidor é imprescindível para a realização do leilão (expropriação do bem).
O terceiro garantidor tem que ser chamado a participar do processo, devendo ser dado a ele a oportunidade para se defender.
Por isto, o leilão do bem não poderia acontecer na data marcada.
Caso tenha interesse, a decisão é esta daqui: STJ, REsp 1649154
Consegui derrubar o leilão
A partir desse posicionamento do STJ, construí minha tese e peticionei, na tentativa de evitar a realização do leilão.
O juiz considerou meu pedido, e mandou citar o proprietário da fazenda, anulando o leilão judicial.
Na verdade, bastaria ele pedir a intimação do proprietário.
Mas o juiz determinou a sua citação.
Em que pese a decisão dizer que bastaria apenas a intimação do devedor hipotecante, sendo desnecessária a citação, o Juiz entendeu que o interveniente anuente deveria ter sido citado.
Assim, ele determinou a expedição do mandado de citação do proprietário do imóvel e anulou o leilão.
A reação do cliente me fez ganhar o dia

Nesse momento é que a gente acredita que nasceu para advogar.
A reação do João, quando dei a notícia, é o tipo de coisa que faz a gente querer acordar todo manhã para ir trabalhar.
Na prática, a dívida continuava, bem como a fazenda ainda era a garantia dessa dívida.
Contudo, o processo, que já tramitava há um bom tempo, retornaria a um estado bem anterior, até que a citação do proprietário da fazenda fosse realizada.
Até que essa citação fosse feita, o proprietário apresentasse a sua defesa e o juiz proferisse uma nova decisão, muita água ainda ia correr.
Isso levou João a ganhar tempo para adquirir novos aportes financeiros.
Acabei ajudando-o a fazer um bom acordo com o banco.
Para a realização de leilão judicial, o Código de Processo Civil exige uma série de requisitos que precisam ser respeitados.
Os requisitos não são mera formalidade ou burocracia desnecessária, pois estamos falando aqui de alguém que pode perder um imóvel.
Pode ser um bem caro à família ou resultado do trabalho de toda uma vida.
Leilão judicial é uma medida extrema: é preciso sempre ter cautela!
Para quem vê de longe, não consegue perceber a seriedade que está por trás do leilão judicial.
Lembro de conversar com um juiz, que me confidenciou que toda vez que decidia por um leilão judicial, a favor do banco, doía-lhe o coração.
O ato de leiloar é um ato muito sério e, justamente por isso, precisa seguir diversos procedimentos.
Caso algum desses procedimentos não seja observado, há a chance de que o leilão seja anulado.
Por isso a importância de um atenção aos detalhes, pois são eles que podem proteger o seu patrimônio e evitar o pior.