
Se você é servidor público, com certeza já ouviu falar em remoção, não é verdade?
No Estatuto do Servidor Público Federal, o instituto da remoção está previsto no artigo 36 (Lei nº 8.112/90).
Obs.: a maioria dos Estatutos de servidores Estaduais e Municipais copiam, na integralidade, o instituto da remoção, previsto na Lei 8.112/90
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção:
I – de ofício, no interesse da Administração;
II – a pedido, a critério da Administração;
III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.
O que interessa para nós, neste artigo, é o III, b.
O inciso III deixa claro que a remoção por motivo de saúde, seja do próprio servidor, do seu cônjuge, companheiro, ou dependente, não depende do interesse da Administração.
Mas, o que isso significa exatamente?
1- A remoção por motivo de saúde é um ato vinculado, não cabendo margem de análise por parte da Administração Pública
Bom, quando falamos de remoção, temos que ter em mente que a regra é que ela só vai acontecer se, além da sua vontade, houver interesse público da Administração Pública para que o servidor seja removido.
Vamos entender com um exemplo:
João é servidor do Ministério da Fazenda, em São Paulo.
Ele é especialista em TI.
Durante um evento do próprio Ministério, em Brasília, João se apaixona por Maria, que é servidora na capital federal, e eles decidem se casar.
João, então, faz um pedido junto ao RH do seu órgão para ser removido para Brasília.
Atenção: esse caso não é uma remoção para acompanhar o cônjuge!
É uma remoção a pedido.
A estrutura do órgão, então, percebe que em Brasília está faltando profissionais na área de TI.
Neste caso, o pedido de João para ser removido para Brasília será aceito, correto?
Não necessariamente!
Como dissemos mais acima, isso depende do interesse público, e aí nós entramos numa área delicada do Direito Administrativo chamado discricionariedade.
O órgão certificou-se que existe a necessidade de profissionais de TI em Brasília.
Mesmo tendo o órgão se certificado da necessidade de profissionais de TI em Brasília, ele pode negar o pedido de João.
Nesse caso, a remoção fica a critério da Administração (ato discricionário).
Já no caso de remoção por saúde, a coisa muda completamente.
O texto da lei diz, claramente, que não depende do interesse da Administração.

Ou seja, não há margem de discricionariedade: comprovada a situação de saúde, o servidor tem o direito de ser removido.
2 – Não é necessário ter vaga disponível para o servidor na localidade para onde ele será removido
Vamos voltar ao exemplo do João.
Quando ele pediu para ser removido para Brasília, o órgão verificou se havia local disponível para ele ser lotado, e que comportasse um profissional de TI.
E mesmo existindo essa necessidade, a remoção dele poderia ser negada, a critério da Administração.
Essa análise (se há local disponível e necessidade de servidor na localidade) não ocorre em caso de remoção por saúde.
No caso, a Administração que “se vire”, e dê um jeito de arrumar uma lotação para o servidor.
E o motivo de não se exigir essa disponibilidade de vaga é muito clara: o direito à saúde é superior, e dependendo da situação, manter o servidor longe de seus familiares pode gerar um dano mais grave, como o suicídio, por exemplo.
E não estou exagerando.
Tenho um caso bem peculiar aqui no escritório de uma servidora que, depois de muito tempo afastada de casa e dos familiares, desenvolveu um quadro de depressão muito grave.
Ela foi afastada para tratamento médico (os familiares moram a mais de 2 mil kilômetros de distância), e todos os laudos apontaram pela necessidade do convívio junto ao seio familiar, para que ela possa ter uma vida normal.
E veja só o que aconteceu: fizemos o pedido de remoção junto ao órgão dela, que é federal, e o processo seguiu seu trâmite normal, até que chegou a hora da perícia.
O órgão marcou a perícia na cidade onde ela é lotada.
Detalhe: ela se encontra em tratamento na cidade em que os familiares residem.
A depressão dela é tão grave, que gerou um quadro de pânico gravíssimo, de tal maneira que ela não consegue entrar em qualquer meio de transporte quando o destino é para sair da cidade de seus familiares.
Ela foi ao médico, psicólogo, tomou remédios, mas, mesmo assim, não consegue: se for para sair da cidade, ela tem crise de pânico e não consegue entrar no meio de transporte, seja carro, avião ou ônibus.
Para não perdermos o pedido de remoção, fiz uma solicitação para que a perícia fosse feita na cidade onde minha cliente está morando, junto com seus familiares, ou seja, perícia em trânsito.
Mesmo com o laudo médico explicando a situação da servidora, o pedido foi negado.
E aí, o que fizemos?
3 – Não é necessário passar por perícia médica oficial para ter seu pedido de remoção por motivo de saúde aceito
Você se lembra do que diz a lei?
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
Ela condiciona a remoção após comprovação por junta médica oficial.
No caso da minha cliente, ela não teria como passar por uma junta médica oficial (apesar dela estar plenamente disposta a fazer a perícia, pois o seu problema é muito grave), e tivemos que pensar na melhor estratégia para que ela não ficasse prejudicada.
Pensem na situação: o órgão não autorizou a perícia em trânsito.
Estava perto de acabar o prazo da licença por motivos de saúde.
Com a crise de pânico que ela desenvolveu, não ia conseguir voltar a trabalhar na cidade onde estava, e isso iria gerar mais de 30 faltas consecutivas, o que resultaria numa demissão.
Entenderam a gravidade da coisa?
O que eu fiz, então, foi partir, diretamente, para a via judicial.
Poderia pedir, na ação judicial, para que somente a perícia fosse feita na cidade onde minha cliente está morando, e continuar o processo administrativo de remoção normalmente.
Mas, já que ia para a justiça, eu optei por fazer tudo por lá, inclusive com pedido liminar de remoção, mesmo sem perícia.
E isso é perfeitamente possível, inclusive com entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça.
Confira esse importante precedente judicial:
“…, tem aplicação o princípio do livre convencimento judicial motivado (art. 131 do CPC), a permitir que o Juiz forme a sua convicção pela apreciação do acervo probatório disponível nos autos, não ficando vinculado, exclusivamente, à chamada prova tarifada, já em franco desprestígio, ou seja, aquela prova que a lei prevê como sendo a única possível para a certificação de determinado fato ou acontecimento” (in AgRg no REsp 1209909/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 20/08/2012).”
Complementando o julgado acima, veja o que decidiu o TRF da 4ª Região:
“… A moderna doutrina jurídica há muito reconhece que o Direito não é apenas um conjunto constituído por regras válidas positivadas, mas também por princípios estruturantes do Sistema Jurídico e informadores da atividade judicial de todo Estado Democrático de Direito. Não se pode perder de vista que os princípios informadores dos artigos 36 (…) da Lei nº 8.112/90 foram, justamente, as garantias à unidade familiar e à (…). Desta feita, os referidos dispositivos do Estatuto do Servidor devem ser aplicados em consonância com a finalidade para a qual foram editados. – Em homenagem ao princípio de hermenêutica constitucional e da concordância prática, o disposto no art. 36, III, b da Lei 8.112/90 deve ser interpretado em harmonia com o que estabelecido no art. 196 do Texto Maior (direito subjetivo à saúde), ponderando-se os valores que ambos objetivam proteger. – O Poder Público tem, portanto, o dever político-constitucional impostergável de assegurar a todos proteção à saúde, bem jurídico constitucionalmente tutelado e consectário lógico do direito à vida, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue, mormente na qualidade de empregador” (in TRF4 – APELREEX 50259956920104017100/RS in DJe 06/08/2014)
Em suma: o juiz é livre para se convencer através das provas que tem no processo.
Se está claro que existe uma doença, e que o servidor precisa ser removido, o juiz não é obrigado a submeter o servidor a uma perícia médica oficial, ou mesmo judicial, para deferir o pedido de remoção.
E a base disso tudo é justamente o que falamos no início do artigo: o direito à saúde é superior!
E você? Tem alguma dúvida sobre remoção?
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