
Com essa afirmação, o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal autorizou novas regras, mais flexíveis, de atendimento médico à distância (telemedicina), como medida de combate ao coronavírus.
Artigo de Luiz Fernando Ribas, especialista em Direito Médico e Proteção Jurídica aplicada à Saúde
Isso pode ser a solução de muitas pessoas que já estão preocupadas de ficar sem atendimento médico para outros problemas de saúde (alguns até mais graves do que o coronavírus).
Contudo, a publicação (hoje, dia 23 de março de 2020), de uma portaria do Ministério da Saúde, pode estender os benefícios das regras flexibilizadas da telemedicina para todo o país.
Uma situação que mexe com muitos profissionais da saúde é a possibilidade de ter que abandonar seus pacientes à própria sorte, devido ao isolamento social imposto pelo coronavírus.
Pense em pacientes psiquiátricos, por exemplo.
Muitos transtornos mentais são tratados por meio do uso de medicamentos psiquiátricos, que só podem ser comprados com receita médica.
Neste caso, o médico precisa atender o paciente para prescrever os remédios.
Ou seja, sem atendimento, sem receita. Sem receita, sem tratamento.
Como ficarão milhares de pessoas (senão milhões) que podem ficar sem atendimento médico, em vista do possível colapso do sistema de saúde?
Nesta publicação, vou analisar, à luz do Direito Médico, quais são as consequências jurídicas dessa portaria do Ministério da Saúde, e qual o impacto prático que ela terá na vida do profissional de saúde.
Acompanhe a publicação até o fim!
A resolução 453/2020 e a instituição da telemedicina no DF

Já existiam regras com relação à telemedicina na Resolução 1643/2002, do Conselho Federal de Medicina.
O Conselho Regional do DF, contudo, ampliou a abrangência da telemedicina, por meio da Resolução 543/2020.
Esta última, determina a assistência não presencial, com o uso de ferramentas da telemedicina e da telesaúde, em virtude do Decreto de Estado de Calamidade Pública, editado pelo Governo Federal, para todas as áreas da medicina.
A resolução traz três modalidades de assistência médica não presencial:
- teleorientação: orientação e encaminhamento de pacientes em isolamento (distanciamento social extenso);
- telemonitoramento: realização de atos médicos à distância, sob orientação e supervisão médica presencial, com o fim de monitorar ou verificar, à distância, parâmetros de saúde/doença;
- teleinterconsulta: com o fim exclusivo de troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio terapêutico ou diagnóstico.
Mas existe uma questão ética que deve ser observada

Temos um grande conflito legal com essa questão da pandemia.
O código de ética médica determina que o médico não pode abandonar o paciente em tratamento.
Por outro lado, a orientação geral, em todo o país, é de isolamento social.
O médico fica entre a cruz e a espada: como agir sem ferir o código de ética, as normas civis e penais, mas atender ao juramento de Hipócrates: “entrar em toda casa, para o bem dos doentes”?
Só lembrando que o Código de Ética Médica (art. 37) já permite o atendimento médico à distância.
Mas a sua utilização dependerá de regulamentações específicas.
Antes dessa nova resolução, já tínhamos regulamentação específica para a telerrediologia e a telepatologia.
Também já era permitido o exercício da medicina por meio de “metodologia interativa de comunicação áudio visual”, objetivando assistência, educação e pesquisa em saúde.
Ou seja, a telemedicina já existia na legislação própria.
Com a pandemia do coronavírus, contudo, e o Decreto de Estado de Calamidade Pública, essa autorização foi ampliada pelo Conselho Regional, no DF.
Partindo dessas premissas, como advogado, entendo que a questão organizacional deve ser o primeiro passo.
Criar protocolos de atendimento é essencial para o sucesso da operação.
Trago aqui algumas dicas, a título de contribuição para este debate.
Como ficam os honorários médicos?
O médico deve manter o costume de pactuar honorários médicos antes do teleatendimento, não depois.
Não digo isto por questão de mercatilismo, mas para a segurança de um profissional que, afinal, está exposto a uma crise profissional sem precedentes.
Profissionais liberais pagarão um preço alto com essa crise.
Todo cuidado é pouco!
Por isso, mantenha o profissionalismo neste momento.
Seja justo, não oportunista!
E os médicos que atendem por plano de saúde?

Para médicos que atendem pelo plano de saúde, outra questão que merece atenção.
Atenção dos médicos e das instituições médicas!
O teleatendimento, pelo plano de saúde, requer, por segurança, uma autorização expressa do convênio, sob pena de não recebimento dos honorários.
É importante diferenciar quem já é paciente do profissional e da instituição e de quem não é.
Vou explicar, adiante, porque isso esses dois tipos de pacientes precisam ser diferenciados.
Para quem já é paciente, o sigilo profissional é de fundamental importância.
O médico a instituição hospitalar que oferecer o serviço, deve se certificar que a plataforma utilizada guardará esse princípio fundamental da relação médica.
A escolha de uma boa plataforma é essencial.
Sugiro, por já conhecer e usar na advocacia, o Zoom Cloud.
Ele tem um plano gratuito, que permite reuniões de até 40 minutos (se for preciso mais, tem planos pagos bem em conta).
Não se esqueça do termo de consentimento livre e esclarecido.

Em toda publicação minha, eu friso a importância do médico não negligenciar esse documento.
No caso da telemedicina, isso é ainda mais importante.
Ao iniciar a telemedicina, o profissional deve colher o consentimento do paciente para a sua realização.
No termo, informe das limitações do atendimento a distância, e que, em caso de urgência ou agravamento do quadro clínico, o paciente deverá se dirigir a uma emergência.
Caso exista outras variáveis que incluam riscos ou adoção de medidas preventivas, informe isso no termo, com detalhes.
Posso gravar o atendimento?

Muitos me questionam se a gravação do atendimento é legal.
Sim é legal, porém entendo ser essencial o consentimento do paciente.
Caso ache necessário ou importante a gravação, informe isso no termo do consentimento.
No início do teleatendimento, reafirme ao paciente que o atendimento está sendo gravado e se ele concorda com isso.
A gravação pode ser anexada ao prontuário médico, tendo o cuidado para manter o mais absoluto sigilo.
Todo cuidado é pouco
Em momentos de crise, tendemos a baixar a guarda e tomar menos cuidados com formalidades.
Mas, acredite: por experiência própria, já vi muitas situações se voltarem contra o médico, quando a poeira baixa.
Por isso, recomendo que além da gravação, solicite ao paciente uma mensagem escrita, de que ele foi informado e explicado de todos os termos do procedimento, entendendo todos as informações que lhe foram repassadas, não restando quaisquer dúvidas do que irá ocorrer.
A própria Resolução do CFM traz como o prontuário deve ser preenchido.
Para cada paciente, o médico deverá elaborar prontuário contendo os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina.
E para quem não é paciente ainda?

Agora vamos entender como funciona a telemedicina para quem não é paciente.
Recomendo fortemente que não seja feito o atendimento de pessoas que não são pacientes.
O profissional da saúde não teve acesso ao histórico clínico da pessoa.
É muito perigoso para o médico esse atendimento, visto que, em qualquer intercorrência, o profissional estará sujeito a sanções administrativas, cíveis e criminais.
Caso a instituição e o profissional tomem a decisão de realizar o atendimento do paciente novo, sugiro uma maior preocupação com os protocolos.
Envie documentos ao paciente, para que ele o preencha com as doenças preexistentes, condições clínicas alheias, condições hereditárias, alergias e etc.
Após essa triagem, o médico poderá recusar o atendimento, se julgar que esse procedimento a distância não seja suficiente e não condiga com o quadro clínico.
Entenda que essa não é uma preocupação excessiva.
É o cuidado com o próprio paciente, visando minimizar possíveis falhas que o atendimento pessoal supriria.
Sobre esse tópico, recomendo a leitura de uma outra publicação:
Como o direito de dizer “não” muda a responsabilidade do médico?
Sempre lembrando que, casos mais graves, urgências e emergências, obviamente, não podem ser atendidos por meio da telemedicina.
E o caso dos pacientes que precisam de receitas (que citei no início desta publicação)

Aqui entra a nova Portaria, que mencionei no início da publicação.
É a Portaria 467/2020, do Ministério da Saúde.
O portaria determina (art. 6º) que receitas e atestados médicos à distância serão válidos, por meio eletrônico, mediante o uso de:
- assinatura eletrônica, certificados e chaves emitidos pela infraestrutura de chaves públicas brasileira;
- uso de dados associados à assinatura do médico de modo que qualquer modificação posterior possa ser identificada;
- ou qualquer meio que possa permitir a identificação do médico com uma associação em formato eletrônico.
Este tipo de atestado deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
- a identificação do médico, incluindo nome e CRM;
- identificação e dados do paciente;
- registro de data e hora;
- duração do atestado.
O portaria também impõe que caberá ao paciente enviar ou comunicar ao médico:
- termo de consentimento livre e esclarecido;
- termo de declaração, contendo a relação das pessoas que residam no mesmo endereço.
Olha só, a importância do termo de consentimento livre e esclarecido!
Note que, para atender seus pacientes, via telemedicina, será necessário providenciar, com urgência, uma assinatura eletrônica, ou meio eletrônico equivalente, com toda urgência possível.
A tendência é que a Resolução do Conselho Reginal de Medicina do Distrito Federal seja adotado por outras regionais.
É impossível enfrentar essa pandemia sem a telemedicina
Entendo que, num momento de crise e convulsão social, medidas extremas precisam ser adotadas.
Tanto a resolução do Conselho Regional de Medicina, quanto a Portaria do Ministro da Saúde chegam em boa hora.
Torcemos para que seja uma situação transitória e rápida.
Mas, como prevenir é sempre melhor do que remediar, as ferramentas de telemedicina colocadas à disposição da comunidade médica são super bem vindas.
Vidas serão salvas, e dores amenizadas, com toda a certeza!!!
Link da Resolução CRM-DF nº 453/2020 – Clique aqui
Link do Portaria 467/2020 do Ministério da Sáude – Clique aqui