Brasil é pardo: entenda os desafios jurídicos das cotas raciais em concursos públicos e a importância da perícia judicial.

O Brasil é pardo: quem define a cor da sua pele?
É você, com base na sua história e vivência?
É o Estado, por meio de uma comissão que te avalia por cinco minutos?
Ou é a sociedade, com seus filtros enviesados e seus silêncios históricos?
Essa pergunta, que parece filosófica, vira jurídica quando se fala de concursos públicos e cotas raciais.
Desde 2014, a Lei nº 12.990 garante que 20% das vagas em concursos federais sejam reservadas para pessoas negras — pretas e pardas. O número parece simples. A execução, nem tanto.
Porque ser negro no Brasil nunca foi apenas sobre tom de pele. É sobre aparência, sim — mas também é sobre como o mundo te enxerga. E o mundo, meu amigo, não é muito bom de vista.
Você já ouviu falar na comissão de heteroidentificação? O nome é técnico, mas o impacto é real.
Essa comissão analisa se o candidato tem ou não fenótipos negros suficientes para concorrer pelas cotas raciais. Tom de pele, formato do nariz, tipo de cabelo. Tudo entra na conta. E a conta, muitas vezes, não fecha.
O STF já decidiu que essas comissões são legais. Mas também advertiu: nos casos de zona cinzenta, quando houver dúvida razoável, a autodeclaração deve prevalecer. Isso está no voto do Ministro Barroso. Só que, na prática, muitos candidatos são eliminados sem explicação. Às vezes, sem sequer poder anexar uma foto no recurso.
E o que fazer quando isso acontece?
Buscar justiça. Literalmente.
E buscar rápido.
Porque o concurso continua. E, se você não conseguir uma liminar, pode ser deixado para trás mesmo tendo razão. Sim, mesmo com a verdade do seu lado, o tempo joga contra.
E é aí que entra a perícia judicial.
Quando o juiz precisa de provas, ele pode nomear um perito. Alguém que vai avaliar seus traços, seu histórico, suas fotos — e emitir um laudo. Em muitos casos, basta isso para virar o jogo.
Mas, veja: às vezes, nem é preciso perícia. Um acervo robusto de fotos — infância, adolescência, vida adulta — pode convencer o juiz. Fotos ao lado de pessoas brancas, por exemplo, produzem um impacto visual fortíssimo. A comparação é óbvia. O contraste, inevitável.
Além disso, existe a Escala de Fitzpatrick, usada por dermatologistas. A partir do nível 4, a pessoa já pode ser considerada parda. Um laudo médico com essa classificação, apresentado na ação judicial, pode ser decisivo.
Melhor ainda se esse laudo tiver sido produzido antes — por meio de uma ação de produção antecipada de prova. Isso dá segurança ao candidato. Ele entra no concurso sabendo onde pisa. E, se for contestado, já tem amparo.
Mesmo assim, o tempo continua sendo inimigo.
A decisão final pode demorar. O concurso, não. E, se todas as vagas forem preenchidas, mesmo que o candidato vença no fim, pode não haver mais orçamento para nomeação. É por isso que a liminar é vital.
Uma decisão judicial pode sair em 24 horas. Mas, para isso, a petição inicial precisa ser forte. Precisa de fotos, de fundamentos, de estratégia. Precisa, principalmente, de verdade.
No fundo, tudo isso revela uma contradição dolorosa: o país que mais se orgulha de ser miscigenado ainda não aprendeu a reconhecer seus próprios filhos.
E, diante disso, só resta uma escolha: lutar com inteligência. Com documentos. Com laudos. Com coragem.
Porque, apesar de tudo, a cor da sua pele não pode ser decidida por alguém que nunca viveu na sua pele.
Boa sorte nos concursos!
Sérgio Merola.
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