Entenda como o teletrabalho para servidores públicos por motivo de saúde pode ser garantido judicialmente.

Durante a pandemia, o mundo precisou se reinventar. Reuniões passaram a acontecer por vídeo, processos foram digitalizados e, de repente, a casa virou também local de trabalho.
No serviço público, não foi diferente. Órgãos inteiros migraram para o teletrabalho e, para surpresa de muitos, as atividades continuaram acontecendo normalmente. Essa experiência deixou claro algo importante: grande parte das funções da Administração Pública pode, sim, ser realizada de forma remota, sem prejuízo para o serviço prestado à sociedade.
Aliás, vamos ser francos: o teletrabalho trouxe mais qualidade de vida para o servidor e mais eficiência para os órgãos públicos. Porém, com o fim da emergência sanitária, a maioria dos servidores retornaram ao regime presencial.
Mas a vivência da pandemia provou que o teletrabalho tem condição de ser tornar algo permanente na vida dos agentes públicos. Ele se mostrou uma ferramenta viável, que pode ser fundamental para servidores que enfrentam problemas de saúde e precisam de condições especiais para continuar desempenhando suas funções.
Foi nesse cenário que muitos órgãos elaboraram normativos internos para regulamentar o teletrabalho. Porém, em vez de fixar critérios objetivos e transparentes, a maioria desses normativos deixaram a decisão final nas mãos do gestor imediato do servidor. Com isso, o que deveria ser uma política de proteção à saúde passou a ser tratado como uma concessão excepcional, sujeita à discricionariedade administrativa.
O resultado é um ambiente de incerteza: alguns servidores conseguem o benefício com facilidade, enquanto outros, em situações idênticas, têm seus pedidos negados sem justificativas consistentes. Mesmo diante de laudos médicos claros, a resistência de muitos órgãos transforma o teletrabalho em um privilégio eventual, e não em uma medida efetiva de garantia de direitos.
Quando o pedido de teletrabalho é negado, o servidor com problemas de saúde é obrigado a enfrentar deslocamentos diários, ambientes muitas vezes hostis e uma rotina presencial que só agrava seu quadro clínico. O resultado é previsível: piora da doença, afastamentos médicos cada vez mais frequentes e um ciclo de instabilidade que fragiliza não apenas o servidor, mas também o serviço público.
E é justamente aqui que surge a contradição. Ao recusar o teletrabalho mesmo diante de recomendação médica, a Administração acredita estar “resguardando o interesse público”. Mas o efeito é exatamente o contrário. Um servidor que poderia continuar desempenhando suas funções remotamente, de forma produtiva, acaba afastado por longos períodos, sobrecarregando colegas e comprometendo a continuidade do serviço.
E não faltam exemplos concretos dessa realidade:

- Servidores com transtornos psiquiátricos (como depressão ou ansiedade grave), para os quais o ambiente presencial é um fator direto de agravamento, mas que conseguem exercer suas atividades remotamente, em condições de maior equilíbrio.
- Servidores com autismo, que enfrentam dificuldades de adaptação em ambientes de trabalho presenciais, mas podem desenvolver suas funções com eficiência em regime remoto.
- Servidores com doenças crônicas ou imunossupressoras, cuja exposição diária representa risco constante à saúde.
- Servidores responsáveis por pais idosos ou dependentes, que não podem ser deixados sozinhos por longos períodos, mas que conseguem conciliar o cuidado familiar com o trabalho remoto, sem comprometer a produtividade.
Para piorar, em muitos órgãos, as próprias juntas médicas oficiais são orientadas a negar os pedidos, independentemente da condição de saúde apresentada.
Não há uma análise criteriosa das particularidades de cada servidor. Em vez disso, muitas vezes, a avaliação é superficial e marcada pela falta de imparcialidade, transformando um direito legítimo em mera formalidade burocrática.
Nessas situações, obrigar o servidor a comparecer presencialmente não apenas coloca em risco sua saúde e sua vida pessoal, mas também gera prejuízos ao interesse público.
Afinal, em vez de contar com um servidor ativo em teletrabalho, a Administração acaba enfrentando afastamentos longos e recorrentes, que reduzem a força de trabalho e afetam a prestação do serviço.
No fim, tanto o servidor perde — ao ter sua dignidade desrespeitada — quanto a Administração, que ignora uma solução simples, viável e já testada: o teletrabalho.
O teletrabalho, quando motivado por razões de saúde, deve ser compreendido como uma medida de proteção ao servidor e não como um privilégio. A Constituição Federal garante a todos o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana, princípios que devem orientar a interpretação e a aplicação das normas administrativas.
Negar essa possibilidade, mesmo diante de laudos médicos consistentes, significa desconsiderar não apenas a condição individual do servidor, mas também o interesse público. Afinal, manter um trabalhador produtivo em regime remoto é sempre mais eficiente do que afastá-lo por longos períodos em razão do agravamento de sua doença.

A justiça tem reconhecido essa realidade, assegurando o teletrabalho em situações nas quais a Administração falha em garantir condições adequadas. Nessas decisões, prevalece a análise técnica e imparcial da perícia judicial, conduzida por um médico especializado e independente, que traz equilíbrio e legitimidade ao processo.
Inclusive, em recente decisão conquistada por nosso escritório, o juiz concedeu o teletrabalho antes mesmo da perícia acontecer. Veja o que entendeu o magistrado:
Analisando as afirmações do autor e o conjunto dos documentos anexados à inicial, tenho que os requisitos autorizadores da medida por ela pleiteada se fazem presentes. A probabilidade do direito do reclamante encontra-se robustamente demonstrada pelos documentos acostados aos autos. Os diversos relatórios, atestados e laudos médicos são uníssonos em diagnosticar o reclamante com patologias psiquiátricas graves e em recomendar, de forma expressa, o regime de teletrabalho como medida terapêutica essencial para a preservação de sua saúde e para evitar o agravamento de seu quadro clínico, o que confere verossimilhança à alegação de nexo causal entre o trabalho e a doença. Registro que a efetiva ocorrência do assédio e o nexo causal com a doença são matérias de mérito que dependerão da devida dilação probatória, não se podendo afirmá-los neste momento. O perigo de dano é igualmente evidente e iminente. O reclamante encontra-se atualmente afastado de suas funções por 60 dias devido ao agravamento de seu quadro de saúde. O retorno ao ambiente de trabalho presencial, apontado como o gatilho para o adoecimento, sem a medida protetiva do teletrabalho, implicaria em um risco concreto e grave de deterioração ainda maior de sua saúde mental. Por outro lado, a medida pleiteada é plenamente reversível. Caso, ao final do processo, se conclua pela improcedência dos pedidos, a tutela poderá ser revogada, determinando-se o retorno do autor ao trabalho presencial, sem que isso cause prejuízo irreparável ao reclamado, que já possui estrutura para o teletrabalho. Ante o exposto, presentes os requisitos do art. 300 do CPC, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA para determinar que o Reclamado, CONSELHO REGIONAL DOS TECNICOS INDUSTRIAIS DA PRIMEIRA REGIAO, autorize, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da intimação desta decisão, que o Reclamante desempenhe suas funções em regime de teletrabalho, enquanto perdurar a necessidade médica e a tramitação do presente processo, sob pena de multa diária de R$200,00 (duzentos reais), limitada a 10 dias, em caso de descumprimento. (Processo n. 0001628-94.2025.5.18.0010)
Portanto, o teletrabalho por motivo de saúde deve ser visto como uma garantia legal e constitucional — não apenas para proteger o servidor, mas também para assegurar a continuidade e a eficiência do serviço público.
 
								 
								

