Saiba mais sobre como se estrutura a advocacia especializada em Direito Público, quais as suas áreas e princípios jurídicos envolvidos.
Se alguém lhe perguntar sobre algum advogado trabalhista, criminalista ou de família, provavelmente você terá um nome na ponta da língua.
Correto?
Mas, e se te perguntarem se você teria algum advogado publicista para indicar? Teria algum nome em mente?
Acredito que a resposta seja negativa.
Não é comum um advogado se apresentar como advogado publicista, mesmo que tenha se especializado em direito público.
Aliás, muitos ainda pensam que direito público só interessa àqueles que trabalham para a Administração Pública.
E isso está longe de ser verdade.
Mesmo quem é da área jurídica muitas vezes não sabe explicar com detalhes o que faz e como atua um advogado especialista em direito público.
Mas, então, o que faz um advogado publicista?
Antes de responder a essa pergunta, vamos entender melhor o que é o direito público. 😉
O que é o direito público?
O direito público é um ramo que tem por objeto principal a regulação dos interesses da sociedade como um todo, a disciplina das relações entre esta e o Estado, e das relações das entidades e órgãos estatais entre si. Tutela o interesse público, alcançando as condutas individuais de forma indireta.
Tradicionalmente, o direito é dividido em dois grandes ramos: direito público e direito privado.
O direito público tem por objeto principal a regulação dos interesses da sociedade como um todo, a disciplina das relações entre esta e o Estado, e das relações das entidades e órgãos estatais entre si.
Ele tutela o interesse público, só alcançando as condutas individuais de forma indireta ou reflexa.
Uma característica marcante do direito público é a desigualdade nas relações jurídicas por ele regidas, prevalecendo o interesse público sobre o privado.
O fundamento dessa desigualdade é a noção de que os interesses da coletividade devem prevalecer sobre os interesses privados.
É por isso que muitos atos da Administração Pública perante o particular parecem injustos.
Mas, na verdade, essa é uma prerrogativa que ela detém.
Diferença entre direito público e direito privado
A principal diferença entre o direito público e o direito privado é que este é o ordenamento jurídico que rege interesses particulares.
São exemplos de ramos do direito privado o Direito Civil e o Direito Empresarial (não vamos aprofundar nesta vertente, por não ser o foco do artigo).
Depois de saber o que é o direito pública, entenda como ele é dividido
Apesar de algumas divergências doutrinárias, as áreas do direito público são as que se seguem.
Direito Constitucional
É, com toda a certeza, a área mais importante para qualquer jurista, por ser a base do nosso ordenamento jurídico.
O conhecimento de constitucional deve ser o norte de qualquer jurista, seja ele atuante ou não no direito público.
Isso porque não pode existir norma que afronte a Carta Maior (é por isso que você estuda uma parte muito longa nos manuais chamada Controle de Constitucionalidade).
Agora, o grande charme do advogado constitucionalista é a área do parecer.
Se você ainda não conhece, muitos advogados não atuam com contencioso. Eles se especializam de tal forma que se tornam grandes pareceristas. E muitos deles são os constitucionalistas.
As duas grandes vantagens de ser parecerista são:
- você não depende do judiciário; e
- os honorários são altíssimos.
Explicando melhor!
O advogado contratado para dar um parecer sobre a constitucionalidade ou não de determinada situação vai escrever sua opinião, com base nos seus estudos aprofundados.
Muitas vezes, determinada empresa ou órgão público contrata esse tipo de especialista para amparar uma situação específica. E é normal que os honorários, num único parecer, ultrapassem a casa dos R$50.000,00.
Em minha pós-graduação, tive a oportunidade de ter aula com um grande parecerista, especialista em direito público.
Ele é contratado por vários órgãos da administração pública para dar parecer sobre a constitucionalidade de determinada situação, e é muito bem remunerado por isso.
Então, se você não quer sofrer com a lentidão do judiciário, tampouco com a diversidade de entendimento dos juízes, saiba que a advocacia parecerista, com foco em constitucionalidade, é uma das melhores opções! 😉
Direito Administrativo
A área mais pura no que tange ao direito público! Além de ser minha paixão pessoal, e minha área de atuação, o direito administrativo possui um leque muito bom de atuação.
Para quem também almeja advogar longe dos tribunais, o direito administrativo é uma ótima opção.
Os advogados administrativistas podem atuar perante as empresas, assessorando nas licitações; ou mesmo perante pequenos municípios que não possuem procuradorias, prestando assessoria completa.
E boa parte com demandas na área de direito administrativo.
Também existe muita demanda envolvendo a relação entre servidores públicos e seus órgãos de atuação, principalmente no que tange aos processos disciplinares.
Eu mesmo atuo muito nessa frente, e, geralmente, a “causa” não ultrapassa a via administrativa do órgão.
Também existem advogados e escritórios especializados em serviços públicos.
Eles cuidam de questões contratuais e na execução de contratos perante a administração pública.
Ah, e claro, também é uma excelente área para quem deseja se tornar um advogado parecerista.
Mas, não é só isso!
Há, também, demandas judiciais.
Como a regra da nossa constituição é pelo acesso ao judiciário, e não obrigatoriedade de exaurimento da via administrativa, salvo raríssimas exceções (como questões envolvendo competições esportivas), qualquer pessoa pode levar sua demanda administrativa para ser resolvida no judiciário.
Um exemplo bastante comum são demandas envolvendo irregularidades em concursos públicos.
Apesar de existir sempre a via recursal no certame, é mais comum uma lide envolvendo concurso público ser resolvida através do controle jurisdicional.
Direito Financeiro
É um ramo do direito público que atua com receita e despesa pública.
Seu campo de atuação é mais restrito à Advocacia Pública, sendo primordial aos assessores jurídicos e procuradores legislativos dominarem essa disciplina.
Direito Eleitoral
Uma área com grande carência de advogados especialistas, mesmo sendo um ramo do direito com honorários bem generosos (dê uma olhada na tabela da OAB).
Aqui mesmo, em Goiânia, temos a advocacia eleitoral concentrada em poucos escritórios.
E quando alguém pergunta sobre indicação na advocacia, são sempre os mesmos nomes que vêm à tona.
Ah! E muita gente acredita que só existe demanda na época de eleições, mas isso não é verdade.
As demandas são mais intensas nesse período, inclusive com prazos em horas/minutos, mas ela não se encerra ao final da eleição.
Direito Urbanístico
É um ramo do Direito que estuda o conjunto de legislações reguladoras da atividade urbanística, isto é, aquelas destinadas a ordenar os espaços habitáveis.
Também é uma área muito boa para ser advogado parecerista.
As demandas de direito urbanístico podem envolver o plano diretor, edificações, IPTU, desapropriações, proteção ao patrimônio cultural, dentre outros.
Assim como outras, é um ramo com poucos advogados especialistas.
Direito Processual
Definir as normas do processo é exclusividade do Estado, e o direito processual é o ramo jurídico que reúne os princípios e normas que dispõem sobre atos judiciais tendentes à aplicação do Direito ao caso concreto.
As normas de direito processual vão nortear a atuação do Estado-Juiz e seus auxiliares, bem como a atuação do advogado dentro do processo.
Conhecer bem o direito processual é tão importante – se não mais – quanto dominar o direito material.
Afinal, uma demanda, por melhor que seja, pode ser anulada, a depender do seu vício.
Direito Penal
O Estado detém o monopólio do direito de punir. O Direito Penal é o ramo do Direito Público que define os crimes, estabelece as personalidades correspondentes e dispõe sobre as medidas de segurança.
Na definição de Mezger: “é o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, ligando ao delito, como pressuposto, a pena como consequência.”
Direito Internacional Público
É o ramo jurídico que disciplina as relações entre os Estados soberanos e os organismos análogos.
Direito Tributário
Conjunto de leis que regulamentam o arrecadamento dos tributos, assim como a sua fiscalização.
É uma parte jurídica que estabelece suas inclusões entre o Estado e os contribuintes com relação à arrecadação dos tributos.
Uma área que também é possível a advocacia longe dos tribunais, caso o advogado se especialize em consultorias e planejamentos tributários.
Aqui no blog temos um artigo sobre os princípios do direito tributário. Indico a leitura se você quiser saber mais sobre o tema.
Princípios do Direito Público
Toda doutrina, de qualquer ramo do direito, começa abordando os princípios inerentes aquele ramo.
E o direito público também têm alguns princípios consagrados pela doutrina e jurisprudência.
Não obstante cada ramo falado acima ter seus próprios princípios, também temos estão consolidados os seguintes princípios do direito público: Princípio da Autoridade Pública, Princípio da Legalidade, Princípio da Submissão do Estado à Ordem Jurídica, Princípio da Isonomia, Princípio do Devido Processo, Princípio da Publicidade, Princípio da Responsabilidade Objetiva, Princípio das Igualdades Políticas e Princípio da Função.
Princípio da Autoridade Pública
O Estado ocupa posição de supremacia quanto aos seus interesses em face do particular.
Ele (Estado) possui a faculdade de exigir dos administrados um dever como consequência de sua autoridade, sendo que tais exigências não dependem da vontade do destinatário.
Essa faculdade não decorre de um vínculo obrigacional, mas sim da autoridade estatal.
Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade, no viés do direito público, está previsto no artigo 37 da Constituição Federal.
Segundo ele, à Administração Pública só é autorizado fazer aquilo que a lei prevê, caso contrário não tem validade.
Princípio da Submissão do Estado à Ordem Jurídica
O estado é vinculado à legislação, ou seja, decorre da vontade popular expressa na construção legislativa, sendo o Estado um fim da vontade popular.
Cabe ao Estado obedecer a legislação e a ordem jurídica, posto que essa é a finalidade do ente estatal.
Princípio da Isonomia
Também com previsão constitucional, o princípio da isonomia, ou igualdade, é o que garante que o Estado trate todos os cidadãos de forma igual.
Mas, esse princípio não significa que o tratamento igual deve ser absoluto.
Pelo contrário: ele deve garantir, também, que os desiguais sejam tratados de forma diferenciada, no limite de suas desigualdades.
Isso é o que chamamos de igualdade material, que é tratar os desiguais na proporção de suas desigualdades.
Quer um exemplo clássico?
Cotas raciais e para deficientes em vestibulares e concursos públicos.
Princípio do Devido Processo Legal
Com previsão constitucional a partir da nossa última Carta (CF/88), o Princípio do Devido Processo Legal é a garantia de liberdade, sendo um direito fundamental do homem consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Art. 8º – Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”
E ainda na Convenção de São José da Costa Rica:
Art. 8º – “Garantias judiciais – Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”
O Princípio do Devido Processo Legal é o garantidor de que todos têm o direito a um processo com todas as etapas previstas em lei, dotadas de todas as garantias constitucionais.
É graças a este princípio que ninguém é privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Ele põe “rédeas” na atuação do Estado, quando estamos falando de privar a liberdade do homem e de seu patrimônio.
Princípio da Publicidade
Também com previsão expressa na Constituição, o princípio da publicidade é ínsito ao Estado Democrático de Direito e está intimamente ligado à perspectiva de transparência, dever da Administração Pública e Direito da Sociedade.
Princípio da Responsabilidade Objetiva
Com previsão constitucional, o art. 37, §6, da CF/88 diz que:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Isso porque o agente público, quando no exercício das atribuições, está atuando como Administração Pública, e não como particular.
Por isso, em seus atos a Administração Pública responde objetivamente, e o agente, subjetivamente, somente em caso de dolo ou culpa.
Princípio da igualdade das políticas
Esse princípio impede que o Poder Legislativo e o Poder Executivo, quando na edição de leis, atos normativos e medidas provisórias, criem tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas.
Em outro viés, a autoridade pública deverá aplicar a lei e os atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecer diferenças em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social.
Princípio da função e finalidade
A finalidade está diretamente relacionada com a impessoalidade da Administração Pública.
A orientação é que a Administração Pública aja sempre com foco no interesse público.
O Advogado Publicista tem que dominar todas os ramos do direito público?
Eu costumo dizer que o advogado publicista consegue transitar bem por todos os ramos do direito público.
Isso não significa que ele seja um especialista em todas essas áreas. Nada disso!
Isso quer dizer que ele tem uma especialização forte em determinada área, e um bom conhecimento para transitar entre as demais.
Tal conhecimento é muito importante, pois as demandas inerentes ao direito público, por vezes, contemplam 3 ou 4 áreas distintas.
O conhecimento aprofundado em Constitucional e Processo é fundamental, independentemente da área de atuação escolhida.
Aqui no escritório, por exemplo, eu atuo muito com direito administrativo (disciplinar para servidores; demandas envolvendo concursos públicos; licitações e improbidade administrativa), e não são raras as demandas que me exigem conhecimentos em tributário, penal, e orçamento público.
Portanto, o ideal é que o advogado publicista se especialize em algum ramo do direito público, mas que se mantenha atualizado e com bons conhecimentos nas demais áreas.
Artigo sobre Direito Público publicado originalmente no Blog da Aurum
Uma resposta
Ótimo e esclarecedor texto.. tem alguns termos que sempre me confundem, apesar de também atuar especificamente no Direito Administrativo.
Por exemplo, sempre me enrolo quando quando perguntam minha área de atuação, porque não sei se é correto dizer que sou administrativista.