Ganhei a pregão, mas o Tribunal de Contas suspendeu a licitação por Medida Cautelar: o que fazer?

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Por Luciana Lara Sena Lima e Sérgio Merola

Imagine a situação: uma empresa ganha um processo de licitação com o poder público, na modalidade pregão.

Vencida esta etapa, a empresa começa a se preparar para prestar o serviço objeto do contrato administrativo.

Para a empresa, isso envolve assumir várias despesas: contratação de pessoal, aquisição de equipamentos, investimento em infraestrutura, dentre outras.

Contudo, no meio da correria, o dono da empresa recebe uma péssima notícia: o contrato da licitação foi rescindido pelo gestor público responsável.

Descobre-se, depois, que o Tribunal de Contas suspendeu o pregão, por meio de uma medida cautelar.

E o gestor público, com receio de sofrer algum tipo de penalidade do Tribunal de Contas, decidiu rescindir unilateralmente o contrato.

O empresário entra em desespero, pois já estava contando com o dinheiro da licitação.

Aliás, o que é bem pior, já havia feito despesas para viabilizar a prestação do serviço contratado.

No final das contas, acabou ficando no prejuízo.

Neste artigo, vamos mostrar o que sua empresa pode fazer, caso passe por uma situação semelhante.

Para isto, vamos entender como é a atuação do Tribunal de Contas, porque ele suspende as licitações e o que você pode fazer, caso o contrato da licitação que sua empresa tenha ganhado seja rescindido pela Administração Pública. 

Também vamos revelar uma situação desagradável de concorrência desleal que, infelizmente, acontece em processos licitatórios.

Ao se prevenir dessa dinâmica concorrencial, você poderá participar de licitações com mais segurança jurídica e financeira, sem precisar entrar em esquemas ou fraudar o processo para se sagrar vencedor.

A atuação dos Tribunais de Contas

Antes de entender como se prevenir do problema das licitações suspensas por liminar, vamos entender um pouco sobre a atuação dos Tribunais de Contas.

Os Tribunais de Contas são órgãos técnicos e independentes, de caráter administrativo.

Apesar do nome “Tribunal”, não se trata de um órgão do Poder Judiciário.

A atuação desses órgãos está voltada para a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial de entidades públicas.

Essa atuação inclui o julgamento de contas de gestores públicos e a aplicação de sanções àqueles que cometem práticas ilegais na gestão das contas públicas.

É inegável que os Tribunais de Contas têm funções importantíssimas na defesa dos interesses da sociedade.

Contudo, sua atuação é limitada por dois fatores: quantidade reduzida de servidores e excesso de demandas.

Mesmo contando com um corpo de profissionais bastante técnicos, não é possível atender a todas as demandas em prazo hábil.

Isso traz uma consequência muito ruim para os processos licitatórios.

Vamos entender melhor essa limitação.

A dificuldade de fiscalização das licitações pelos Tribunais de Contas

Infelizmente, existe uma enorme deficiência estrutural, que dificulta o trabalho de fiscalização por parte dos Tribunais de Contas. 

No Brasil, temos mais de 5.500 municípios, além dos Estados e da União.

E cada ente federativo possui vários órgãos públicos, que fazem licitações diariamente.

O Poder Público precisa licitar para comprar e contratar tudo: serviços de engenharia, obras, materiais de papelaria, computadores, softwares, asfalto, e tudo mais que você possa se lembrar.

Agora, imagine só quantos detalhes técnicos existem numa contratação de empresa para asfaltar uma via?

E numa construção de um prédio público? 

São centenas ou milhares de detalhes técnicos.

Só um especialista da área licitada conseguiria determinar, numa análise mais rápida, se as exigência do edital da licitação estão corretas ou não trazem alguma irregularidade.

E mesmo o especialista pode deixar alguma coisa passar batido, numa análise rápida e superficial. 

Contudo, não é possível que os Tribunais de Contas contratem um especialista de cada área para analisar os seus processos.

Via de regra, as denúncias são encaminhadas a uma das Secretarias Especializadas, que, para evitar a conclusão do procedimento licitatório, emitem um parecer pela suspensão, via medida cautelar.

O Ministério Público de Contas, também por conter poucos membros para tanto trabalho, emitem parecer no mesmo sentido: suspensão da licitação.

Só a título de exemplo, recentemente conversei com um membro do Ministério Público de Contas junto ao TCM-GO.

Ele me confidenciou que, em virtude das férias de um colega, ficou responsável por 164 municípios.

Normalmente, um procurador do MPC-GO cuida de 82 municípios (o que, convenhamos, já não é pouco).

Na prática, é humanamente impossível conseguir analisar, com o nível de detalhe necessário, cada denúncia que chega.

O caminho mais seguro, a fim de evitar danos maiores, tem sido o de suspender a licitação denunciada por meio de uma decisão cautelar.

A estratégia de suspender por cautelar as licitações denunciadas é adotada para evitar que o Poder Público contrate com empresas fraudulentas, ou mesmo para evitar que uma licitação irregular seja concluída. 

Dessa forma, ganha-se tempo para analisar as denúncias da maneira apropriada.

Mas, atenção para o que é dito: os Tribunais de Contas não fazem isso por mal, ou por equívoco.

A estratégia é adotada para que seja possível atender ao excesso de demandas.

E quando são suspensas licitações sem irregularidades?

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Ao contrário do que diz o senso comum, nem toda licitação é fraudulenta.

Sei que você, empresário, já deve ter ouvido (ou dito) que toda licitação é fraudulenta ou que para ganhar licitação é preciso pagar propina ou entrar em algum tipo de esquema com o gestor público.

De fato, não seria sensato negar fraudes e irregularidades em licitações. 

Contudo, existem, sim, processos licitatórios íntegros e corretos, que seguem à risca os dispositivos da lei, e que elegem, de fato, a proposta mais vantajosa para o Poder Público.

O problema é que, muitas vezes, essas licitações regulares também são denunciadas e acabam sendo suspensas pelos Tribunais de Contas.

E, por ser uma suspensão indevida, causam prejuízos não só à empresa, mas também ao Poder Público, que é obrigado a licitar novamente.

E por que isso acontece?

Os Tribunais de Contas, sempre que recebem alguma denúncia referente a um processo licitatório, principalmente com base na vedação ao caráter competitivo, e dada a urgência de apreciação da questão, acaba suspendendo a licitação, por meio de medida cautelar.

Disso, nós já sabemos.

A suspensão por medida cautelar, que é uma decisão mais rápida, ainda que provisória, tem como objetivo ganhar tempo, evitando que o poder público celebre um contrato supostamente fraudulento.

Perceba que, quando há fraude, essa estratégia é bastante positiva, pois evita maiores prejuízos para o poder público.

Mas, e quando não há irregularidades na licitação?

Ora, se não há irregularidades, não tem que suspender a licitação, não é mesmo?

Não há motivos para medida cautelar do Tribunal de Contas se está tudo certo com o processo licitatório, certo?

Agora, é o momento de revelar uma situação que infelizmente ocorre, e que pode causar grandes prejuízos a empresas que participam honestamente de licitações.

É uma estratégia  que visa a suspensão de uma licitação para prejudicar a empresa ganhadora.

É aqui que mora o perigo!

Um dos princípios básicos da licitação é o da competitividade.

A ideia básica do princípio é que a licitação precisa estimular a competitividade entre os participantes.

Estimular a competitividade implica que a disputa entre eventuais interessados possibilita à administração alcançar um melhor resultado no certame, obtendo uma proposta mais vantajosa.

Daí, é vedado ao gestor público inserir cláusulas ou condições restritivas ao caráter competitivo no edital da licitação.

Ocorre que, para contratar uma empresa, a Administração Pública precisa de garantias de que ela será capaz de entregar o produto ou prestar o serviço que está oferecendo. 

É por isso que a Lei das Licitações (Lei Federal 8.666/1993) traz uma extensa lista de exigências e regras relativas à qualificação técnica e econômico-financeira das empresas em processos licitatórios (confira, na Lei, o artigo 30 e o artigo 31).

E, mesmo com tantas garantias, ainda é possível fraudar as licitações.

Porém, se não há irregularidades, não deveria haver suspensão do processo.

Olha o tempo do verbo: deveria!

Na prática, algumas empresas, de forma oportunista, sabendo desse modo de funcionamento dos Tribunais de Contas, fazem denúncias simplesmente para eliminar seus concorrentes do mercado.

Quando perdem a licitação, essas empresas formulam uma denúncia junto ao Tribunal de Contas contra a ganhadora, geralmente alegando que o processo licitatório restringiu o caráter competitivo ou que não cumpriu as exigências de qualificação técnica.

Se aproveitando da falta de estrutura funcional dos Tribunais de Conta e da sistemática de suspensão cautelar da licitação, algumas empresas fazem denúncias distorcendo os fatos, a fim de induzir o Tribunal a suspender o certame por medida cautelar.

O grande problema é que a autoridade responsável pela licitação, ao invés de esperar todo o desenrolar do processo no Tribunal de Contas,por receio de ser penalizada, prefere encerrar aquele procedimento licitatório e dar início a outro.

E quando isso acontece, a empresa ganhadora acaba por ficar prejudicada, pois mesmo vencendo honestamente o certame, não conseguirá fornecer os produtos ou prestar os serviços à Administração Pública.

Além disso, na maioria dos casos, a empresa só toma conhecimento da situação quando a autoridade a notifica sobre a rescisão do contrato.

Isso acontece porque muitos Tribunais de Contas têm o entendimento que somentes as autoridades públicas devem ser notificadas de suas decisões, pois não exercem o controle sobre as empresas (o que eu discordo, particularmente). 

E como dissemos, isso, muitas vezes, é feito propositalmente, pela empresa perdedora, na tentativa de derrubar o faturamento da empresa ganhadora, eliminando-a do mercado.

E como que as empresas vencedoras e idôneas podem se defender dessa situação?

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Como dissemos, alguns Tribunais de Contas têm o entendimento que o empresário, ganhador da licitação, não deve ser intimado dos atos processuais, sendo somente necessário notificar as autoridades públicas.

Em nosso entendimento, tal atitude afronta o direito de defesa e os interesses da empresa, já que essa decisão afetará, diretamente, o ganhador da licitação.

A questão aqui é seguinte: dentro de toda a situação apontada, mesmo após a rescisão do contrato da licitação, é possível a apresentação de algum recurso para reverter a situação?

Vejamos!

Geralmente, a medida cautelar do Tribunal de Contas vai pedir, apenas, para suspender o procedimento licitatório, na fase em que se encontra.

Além disso, vai estipular uma multa alta para que seja cumprida a ordem.

Contudo, ela não vai obrigar à autoridade a cancelar a licitação ou rescindir o contrato naquele momento (da medida cautelar).

Como dissemos, se houve licitação, isso significa que o município precisa do serviço ou produto licitado.

Contudo, a autoridade está com receio de sofrer alguma punição do Tribunal de Contas.

Daí, equivocadamente, acabam rescindindo o contrato ou cancelando a licitação, justificando que foi por determinação do Tribunal de Contas.

Aqui temos uma ilegalidade: a rescisão do contrato ou cancelamento da licitação pela autoridade, com a justificativa de que o Tribunal de Contas teria ordenado o ato.

Essa irregularidade tem fundamento numa teoria jurídica, chamada de Teoria dos Motivos Determinantes.

Em síntese, a ideia é a de vinculação do administrador aos motivos declarados no ato administrativo. 

Para que haja obediência ao que prescreve a teoria, no entanto, o motivo há de ser legal, verdadeiro e compatível com o resultado. 

Vale dizer, a teoria dos motivos determinantes não condiciona a existência do ato, mas sim a sua validade.

Se o gestor público rescinde o contrato com a empresa, alegando que foi determinação do Tribunal de Contas, o motivo não é verdadeiro, já que a medida cautelar apenas suspendeu o pregão.

Considerando esse cenário, o que a empresa pode fazer?

Mesmo sem ter sido parte no processo, perante o Tribunal de Contas, a empresa deve adentrar aos autos, como parte interessada, e apresentar sua defesa.

Isso pode ser feito com base no direito de petição, direito ao contraditório, à ampla defesa, e ao devido processo legal.

Essa defesa deverá ser levada a análise da Secretaria Especializada e encaminhada ao relator do processo no Tribunal.

Além disso, é muito, mas muito importante, que a empresa acompanhe de perto, dentro do Tribunal de Contas, o trâmite do seu processo.

É essencial “despachar” com o relator, explicando o processo nos seus detalhes, e defendo a regularidade da licitação.

Se não fizer isso, a defesa da empresa vai entrar no “bolo”, e será analisada como qualquer outra, dentro daquele fluxo insano de demandas existentes no Tribunal.

Uma vez analisada a defesa, e comprovada a regularidade do certame, a tendência é que a medida cautelar seja revogada, liberando o curso normal do procedimento licitatório.

Mas, e se a autoridade pública já tiver rescindido o contrato?

Bom, lembra que falei da teoria dos motivos determinantes?

Então! 

A empresa deve apresentar um recurso junto ao ente (geralmente na prefeitura), pedindo para que seja revista aquela decisão, tendo em vista a revogação da medida cautelar, bem como a utilização da teoria dos motivos determinantes.

Caso a autoridade pública permaneça com seu entendimento, o ideal é que a empresa busque o Poder Judiciário para consolidar o seu direito de fornecer o produto ou serviço objeto da licitação que foi ganhadora.

Dessa forma, a empresa resguarda o seu direito, uma vez que sagrou-se vencedora no processo licitatório, sem incorrer em nenhuma ilegalidade.

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