Assédio moral virou o novo “coringa” dos PADs. Entenda os riscos para gestores e como se proteger juridicamente no serviço público.

Sabe, eu que aprecio uma boa trama, seja ela um romance de época onde os dilemas da corte se desdobram em intrigas e paixões, ou um suspense psicológico que nos prende até a última página, tenho observado um enredo um tanto peculiar no cenário administrativo.
Antigamente, quando um servidor se via às voltas com um PAD, as acusações eram, por assim dizer, mais “ortodoxas”: um “descumprimento de normas” aqui, uma “falta de urbanidade” ali. Eram como aquelas histórias previsíveis, com desfechos já antecipados — no máximo, uma advertência, quem sabe uma suspensão leve, sem grandes sobressaltos na carreira.
Mas, como nas melhores narrativas, o enredo mudou. E mudou com a rapidez de um plot twist inesperado! De repente, o que antes era um desentendimento trivial, uma falha de comunicação (coisa comum, convenhamos, em qualquer ambiente de trabalho, assim como em famílias e até mesmo entre os personagens de um bom livro), transformou-se em algo bem mais sombrio: assédio moral.
É como se, da noite para o dia, a Administração Pública resolvesse reescrever seus próprios clássicos, adicionando um vilão onipresente e, muitas vezes, difícil de decifrar.
E as consequências, meu caro, são bem mais severas.
Não estamos falando de uma simples advertência. Podemos estar diante de algo que pode culminar em uma demissão, em processos de improbidade administrativa, e, em casos mais extremos, no risco de responder criminalmente.
É um roteiro que, confesso, me deixa com o mesmo friozinho na espinha que sinto ao ler um bom thriller jurídico.
Mas por que essa mudança tão abrupta?
Quando o “Coringa” Entra em Cena
A resposta, meus amigos, não é tão simples quanto decifrar um enigma de Agatha Christie, mas tem muito a ver com os ventos que sopram na nossa sociedade.
Em tempos de redes sociais que amplificam cada suspiro, de ouvidorias online que se tornam palcos de denúncias e da famigerada “cultura do cancelamento”, qualquer ruído, por menor que seja, pode virar um tsunami.
É como se a busca por respostas rápidas e a necessidade política de mostrar serviço acabassem por simplificar demais as complexidades das relações humanas.
No universo do PAD, a forma como uma conduta é tipificada é simplesmente tudo. É o que define o rumo da história. E quando a Administração Pública, deliberadamente ou não, passa a rotular como “assédio moral” comportamentos que antes eram tratados com mais racionalidade e bom senso, ela está, na verdade, aumentando exponencialmente o risco e o custo de um simples atrito funcional.
Não me entendam mal: o assédio moral é real, é grave e precisa ser combatido com toda a veemência. É um monstro que, sem dúvida, precisa ser encarado de frente. Mas o problema é que ele virou o “coringa” das comissões processantes.
Em momentos de dúvida, ou sob a pressão da chefia, da ouvidoria, ou até mesmo da opinião pública, a opção mais “segura” parece ser o enquadramento mais genérico e, consequentemente, mais grave. O resultado? Um PAD que pode se tornar desproporcional e uma escalada de tensão completamente desnecessária, quase como um drama shakesperiano onde os mal-entendidos levam a tragédias.
O Cotidiano Sob Ataque

É cada vez mais comum, para quem observa o cenário, ver coordenadores, chefes de setor e gestores sendo alvo de denúncias por sua própria equipe. Pessoas que, muitas vezes, estão apenas cumprindo o seu papel, buscando o bom desempenho da equipe, cobrando metas, zelando pela qualidade do serviço – enfim, exercendo a liderança que lhes foi confiada.
Mas o que é percebido como “excesso de cobrança” vira “abuso”. Um e-mail com um tom mais assertivo, uma conversa mais séria (como aquelas que todo bom mentor tem com seu aprendiz), uma advertência verbal (sim, como as que nos fazem crescer e aprender em qualquer jornada), tudo isso pode ser pinçado, interpretado fora de contexto e, de repente, se transformar em munição para uma representação coletiva.
Em alguns casos, a situação é orquestrada com uma precisão quase cinematográfica. Subordinados que se unem, constroem um dossiê com denúncias meticulosas, as apresentam em múltiplas frentes — ouvidorias, recursos humanos — e, assim, forçam a abertura de um PAD por suposto assédio moral.
O gestor, que deveria ter a presunção de legitimidade em sua atuação, passa a ser tratado como um potencial agressor, uma figura nefasta. A partir desse momento, a insegurança se instala, a autoridade se esvai, e o ambiente organizacional, que deveria ser um palco para o desenvolvimento, se deteriora. É como assistir a um enredo de traição e intriga, onde a confiança se desfaz em mil pedaços.
Documentar, Agir com Inteligência e Contar com a Ajuda Certa
Então, como se proteger nesse novo cenário?
A primeira lição para qualquer gestor é tão fundamental quanto a boa escrita para um autor: documente tudo. Cada registro, ata e gravação de reunião, e-mail com orientações claras, feedbacks formais – tudo isso é prova, é o seu diário de bordo, que pode atestar que suas cobranças são técnicas, razoáveis e, acima de tudo, alinhadas com os objetivos da instituição. É a sua narrativa dos fatos, com dados e evidências irrefutáveis.
É crucial, também, cultivar a empatia e a boa comunicação. Não se trata de “pisar em ovos” – afinal, um bom líder não pode ter medo de guiar –, mas de agir com inteligência emocional, sem perder a firmeza necessária. Um gestor é, antes de tudo, um educador institucional, um guia para a sua equipe. E a educação, como bem sabemos, precisa de coerência e de exemplo. É o papel do protagonista que inspira e transforma, e não do tirano que apenas impõe.
E, por fim, caso você se veja enredado em um PAD por assédio moral, saiba que a defesa técnica é indispensável. Os manuais e a jurisprudência são claros ao exigir que a conduta seja comprovadamente reiterada, abusiva, humilhante e desproporcional. Não basta apenas alegar; é preciso provar, com a mesma minúcia que um detetive busca pistas para desvendar um crime. Com o apoio jurídico adequado, é possível demonstrar a legitimidade da sua atuação gerencial, a ausência de dolo e a inexistência de prejuízo real para os denunciantes. A defesa pode, inclusive, virar o jogo, evidenciando eventual má-fé por parte de quem denunciou.
Liderança com Integridade e Amparo Jurídico

Assédio moral não pode ser tratado como um clichê disciplinar, uma saída fácil para a Administração. Utilizar esse enquadramento como um recurso simplório é perigoso para a instituição e, acima de tudo, cruel com os gestores que encaram suas funções com seriedade e dedicação.
Para quem ocupa um cargo de liderança, a saída é clara: profissionalizar a gestão, registrar todas as evidências (transformando-as em sua armadura documental) e, acima de tudo, estar preparado para enfrentar situações como essa com técnica, serenidade e o devido amparo jurídico.
Porque, no fim das contas, quem se omite para não ser acusado, quem deixa de exercer sua função de liderança por medo das repercussões, está, em última análise, prejudicando o serviço público como um todo. E, convenhamos, essa não é uma história que queremos contar, não é mesmo?
Você já se viu em alguma situação semelhante, onde a interpretação de um ato se tornou mais complexa do que parecia?