
O relatório final representa o ato conclusivo da fase instrutória do Processo Administrativo Disciplinar, constituindo documento técnico em que a comissão processante apresenta suas conclusões sobre os fatos investigados e a responsabilidade disciplinar do servidor. Mais que simples peça procedimental, o relatório funciona como síntese de todo o trabalho investigativo realizado, fornecendo à autoridade julgadora os elementos necessários para proferir decisão fundamentada sobre o caso.
A importância do relatório transcende aspectos meramente formais, uma vez que representa o momento em que a comissão processante transforma o conjunto probatório colhido em análise jurídica estruturada. É através deste documento que se materializa a conclusão técnica sobre a existência ou não de infração disciplinar, servindo como base para a decisão final que pode resultar na aplicação de sanções graves, incluindo a demissão do servidor investigado.
A qualidade técnica do relatório influencia diretamente a validade e a eficácia de todo o processo disciplinar. Relatórios mal fundamentados, lacônicos ou contraditórios podem ensejar nulidade do PAD ou anulação da decisão final, comprometendo meses ou até anos de trabalho investigativo. Por outro lado, relatórios bem estruturados e adequadamente fundamentados conferem segurança jurídica ao processo e reduzem significativamente os riscos de questionamento judicial posterior.
Natureza Jurídica e Função do Relatório
O relatório final possui natureza jurídica híbrida, combinando elementos de parecer técnico, peça instrutória e ato administrativo preparatório. Como parecer técnico, apresenta análise especializada dos fatos e das normas aplicáveis, oferecendo subsídios técnicos para a tomada de decisão. Como peça instrutória, sintetiza todo o material probatório colhido durante a investigação, organizando-o de forma lógica e compreensível. Como ato administrativo preparatório, prepara e fundamenta a decisão final da autoridade competente.
A função primordial do relatório é fornecer à autoridade julgadora visão completa e organizada do processo investigativo, permitindo que ela forme convicção adequada sobre os fatos apurados. A comissão processante, que acompanhou diretamente toda a instrução, possui conhecimento privilegiado sobre as nuances do caso, as circunstâncias relevantes e a qualidade das provas produzidas. O relatório constitui o veículo através do qual esse conhecimento é transmitido à autoridade julgadora.
Além da função informativa, o relatório exerce função técnica de análise jurídica dos fatos apurados. A comissão deve não apenas relatar o que foi descoberto durante a investigação, mas também enquadrar juridicamente as condutas investigadas, indicando quais dispositivos legais foram supostamente violados e qual a sanção aplicável. Esta análise técnica orienta a autoridade julgadora, embora não a vincule, podendo ser adotada, modificada ou rejeitada conforme o entendimento do decisor final.
O relatório também serve como documento de transparência e controle, permitindo que o servidor investigado, seus defensores e eventuais instâncias de controle compreendam como a comissão chegou às suas conclusões. A fundamentação apresentada no relatório possibilita o exercício do contraditório na fase recursal e facilita o controle judicial da legalidade do processo. Relatórios bem fundamentados demonstram que a investigação foi conduzida com seriedade e imparcialidade.
Momento Processual e Pressupostos para Elaboração
O relatório final deve ser elaborado após o encerramento completo da fase instrutória, incluindo a apresentação da defesa escrita pelo servidor investigado. A sequência procedimental é importante: primeiro procede-se à coleta de provas, depois à formalização das acusações através do termo de indiciação, em seguida à apresentação da defesa pelo servidor, e somente então à elaboração do relatório final. Esta ordem garante que a comissão tenha conhecimento completo de todos os elementos relevantes antes de formar suas conclusões.
A defesa apresentada pelo servidor constitui elemento obrigatório a ser considerado no relatório. A comissão deve analisar todos os argumentos defensivos, contestar ou acolher as alegações apresentadas, e explicar por que determinados elementos de defesa foram ou não considerados convincentes. A omissão na análise da defesa ou o tratamento superficial de argumentos relevantes podem caracterizar cerceamento de defesa e ensejar nulidade do processo.
Quando a defesa suscita questões novas ou requer diligências complementares, a comissão deve decidir sobre sua necessidade antes de elaborar o relatório final. Diligências requeridas pela defesa não podem ser indeferidas arbitrariamente, devendo a comissão fundamentar adequadamente eventual recusa. Se forem deferidas diligências adicionais, o relatório só pode ser elaborado após sua conclusão, garantindo que todos os elementos relevantes sejam considerados.
A elaboração do relatório pressupõe também que a comissão tenha formado convicção sobre os fatos investigados. Situações de dúvida insuperável sobre a materialidade das infrações ou sobre a autoria devem resultar em conclusão pela absolvição do servidor, aplicando-se o princípio da presunção de inocência característico dos processos sancionadores. A comissão não pode transferir à autoridade julgadora a responsabilidade de resolver dúvidas sobre questões de fato que estava incumbida de esclarecer.
Estrutura e Conteúdo Obrigatório

O relatório final deve apresentar estrutura lógica e organizada, facilitando sua compreensão e análise pela autoridade julgadora. Embora não exista modelo rígido estabelecido em lei, a prática administrativa e a jurisprudência dos tribunais consolidaram elementos essenciais que devem estar presentes em qualquer relatório válido.
A parte introdutória deve identificar o processo, indicar sua origem, descrever a composição da comissão processante e apresentar resumo dos fatos que motivaram a instauração do PAD. Esta seção contextualiza o relatório e permite compreender o objeto da investigação. A descrição dos fatos deve ser objetiva e imparcial, baseando-se nas informações constantes dos autos sem antecipação das conclusões que serão apresentadas posteriormente.
O relatório deve conter seção dedicada ao resumo da instrução processual, indicando as diligências realizadas, as testemunhas ouvidas, os documentos analisados e demais provas produzidas. Esta parte tem caráter informativo, permitindo que a autoridade julgadora compreenda a extensão e a qualidade do trabalho investigativo realizado. Deve ser mencionada também a observância das garantias processuais do servidor investigado, como o direito de acompanhar os atos, apresentar quesitos e indicar testemunhas.
A análise das provas constitui o núcleo central do relatório, devendo ser conduzida de forma sistemática e fundamentada. A comissão deve examinar individualmente cada elemento probatório, avaliando sua pertinência, credibilidade e força demonstrativa. Provas contraditórias devem ser confrontadas, explicando-se por que determinados elementos foram considerados mais convincentes que outros. A análise deve abordar tanto elementos incriminadores quanto exculpatórios, demonstrando imparcialidade na avaliação das evidências.
A análise da defesa apresentada pelo servidor merece tratamento específico e detalhado no relatório. Cada argumento defensivo deve ser individualmente considerado, explicando-se se foi acolhido ou rejeitado e por quais razões. A comissão deve demonstrar que considerou seriamente as alegações apresentadas, não se limitando a refutá-las de forma genérica ou superficial. Argumentos jurídicos sobre tipicidade das condutas, excludentes de responsabilidade ou atenuantes devem receber atenção particular.
Fundamentação das Conclusões
A fundamentação representa o aspecto mais importante do relatório final, distinguindo decisões técnicas e imparciais de manifestações arbitrárias ou preconcebidas. A comissão deve explicar detalhadamente como chegou às suas conclusões, indicando quais provas foram consideradas, que critérios de avaliação foram adotados e qual o raciocínio lógico que conduziu aos resultados apresentados.
Quando a comissão conclui pela existência de infração disciplinar, deve demonstrar tanto a materialidade quanto a autoria das condutas investigadas. A materialidade refere-se à comprovação de que os fatos alegados efetivamente ocorreram, baseando-se em provas consistentes e convergentes. A autoria diz respeito à demonstração de que o servidor investigado foi efetivamente responsável pelos atos praticados. Ambos os elementos devem estar claramente demonstrados no relatório, não bastando presunções ou ilações.
A tipificação das condutas apuradas constitui questão técnica que exige fundamentação jurídica adequada. A comissão deve indicar precisamente quais dispositivos legais foram violados, explicando como as condutas investigadas se enquadram nas descrições normativas das infrações disciplinares. Esta análise deve considerar todos os elementos típicos da infração, não se limitando a enquadramentos genéricos ou superficiais.
A avaliação de circunstâncias agravantes e atenuantes também deve ser adequadamente fundamentada no relatório. Fatores como primariedade, tempo de serviço, colaboração com a investigação, extensão dos danos causados e outras circunstâncias relevantes devem ser considerados na análise da gravidade das condutas e na sugestão da sanção aplicável. A fundamentação deve explicar por que determinadas circunstâncias foram consideradas relevantes e qual seu impacto na avaliação do caso.
Quando a comissão conclui pela inexistência de infração disciplinar, deve fundamentar adequadamente esta conclusão, explicando por que as provas foram consideradas insuficientes ou por que os fatos não se enquadram em tipos disciplinares. A absolvição deve ser baseada em análise criteriosa das evidências, não em mera aplicação automática do princípio da dúvida favorável ao servidor.
Sugestão de Sanção: Critérios e Limites

A sugestão de sanção disciplinar constitui elemento importante do relatório, embora não vincule a autoridade julgadora. A comissão deve indicar qual penalidade considera adequada ao caso, fundamentando sua sugestão em critérios objetivos e na legislação aplicável. Esta orientação facilita o trabalho da autoridade julgadora e demonstra que a comissão analisou não apenas a existência da infração, mas também suas consequências disciplinares.
A dosimetria da pena sugerida deve considerar múltiplos fatores: a gravidade da infração, os danos causados ao serviço público, a culpabilidade do servidor, circunstâncias agravantes e atenuantes, e precedentes administrativos similares. A análise deve ser individualizada, considerando as peculiaridades do caso concreto e evitando aplicação mecânica de tabelas ou critérios rígidos que não considerem as circunstâncias específicas.
A sugestão deve respeitar rigorosamente os limites legais estabelecidos para cada tipo de infração. A comissão não pode sugerir pena mais grave que aquela prevista em lei para determinada conduta, nem pode criar sanções não previstas no ordenamento jurídico. A correlação entre infração e sanção deve estar claramente estabelecida na legislação disciplinar aplicável.
A fundamentação da sanção sugerida deve explicar por que determinada penalidade foi considerada adequada e proporcional ao caso. Se a comissão optou por sugerir pena no patamar mínimo, médio ou máximo da escala legal, deve explicar as razões desta escolha. A proporcionalidade deve ser demonstrada através da comparação com casos similares e da consideração de todas as circunstâncias relevantes.
Quando aplicáveis sanções alternativas à demissão, como suspensão com conversão em multa ou outras modalidades previstas na legislação, a comissão deve analisar sua adequação ao caso concreto. A escolha entre diferentes sanções possíveis deve ser fundamentada, explicando-se por que determinada modalidade foi considerada mais adequada que outras disponíveis.
Vícios Comuns e Causas de Nulidade
A análise da jurisprudência administrativa e judicial revela vícios recorrentes em relatórios finais de PAD que podem comprometer a validade de todo o processo disciplinar. O conhecimento desses vícios é importante tanto para comissões processantes, que devem evitá-los, quanto para defensores, que podem identificá-los e questioná-los adequadamente.
A fundamentação insuficiente ou inexistente constitui o vício mais comum e grave encontrado em relatórios finais. Relatórios que se limitam a afirmar conclusões sem explicar como chegaram a elas, que ignoram elementos de defesa relevantes ou que apresentam fundamentação contraditória ou ilógica podem ser anulados por ausência de motivação adequada. A fundamentação deve ser clara, lógica e suficiente para permitir compreensão e controle das conclusões apresentadas.
A inobservância da ampla defesa materializa-se frequentemente na omissão de análise dos argumentos defensivos apresentados pelo servidor. Relatórios que ignoram completamente a defesa, que a analisam de forma superficial ou que refutam argumentos defensivos sem fundamentação adequada caracterizam cerceamento de defesa e podem ensejar nulidade do processo.
O excesso de poder manifesta-se quando a comissão extrapola suas atribuições, apresentando conclusões sobre fatos não incluídos no objeto da investigação ou sugerindo sanções não previstas em lei. A comissão deve limitar-se estritamente ao escopo definido na portaria instauradora, não podendo ampliar unilateralmente o objeto da investigação.
A contradição interna do relatório, verificada quando as conclusões não se harmonizam com os fatos relatados ou quando diferentes partes do documento apresentam informações conflitantes, também pode comprometer sua validade. O relatório deve apresentar coerência interna, com todas as suas partes convergindo para as conclusões apresentadas.
A parcialidade ou pré-julgamento pode ser identificada quando o relatório revela que a comissão formou conclusões antes do término da instrução, ignorou provas favoráveis ao servidor ou demonstrou animosidade contra o investigado. A imparcialidade é requisito essencial da validade do processo disciplinar.
Efeitos e Consequências do Relatório
O relatório final produz diversos efeitos no âmbito do processo administrativo disciplinar, influenciando tanto o desenvolvimento posterior do processo quanto os direitos do servidor investigado. O primeiro e mais imediato efeito é o encerramento formal da fase instrutória, transferindo o processo para a autoridade competente para julgamento.
O relatório delimita o âmbito da decisão final, uma vez que a autoridade julgadora não pode conhecer de fatos não investigados pela comissão ou aplicar sanções baseadas em condutas não apuradas durante a instrução. Embora possa discordar das conclusões da comissão, a autoridade está vinculada ao objeto da investigação e às provas constantes dos autos.
Para o servidor investigado, o relatório representa o momento de conhecimento formal das conclusões da comissão sobre seu caso. A partir da ciência do relatório, o servidor pode avaliar as chances de sucesso de eventuais recursos administrativos ou da necessidade de buscar proteção judicial. O conhecimento prévio das conclusões permite preparação adequada para as fases seguintes do processo.
O relatório também serve como base para eventual responsabilização civil ou criminal decorrente dos fatos apurados. Quando a investigação disciplinar revela indícios de improbidade administrativa ou crimes, o relatório pode fundamentar representações aos órgãos competentes para apuração dessas responsabilidades em outras esferas.
A qualidade técnica do relatório influencia diretamente a sustentabilidade da decisão final em eventuais questionamentos judiciais. Relatórios bem fundamentados e tecnicamente corretos conferem maior segurança jurídica às decisões disciplinares, reduzindo riscos de anulação judicial. Por outro lado, relatórios deficientes podem comprometer toda a validade do processo.
Controle e Revisão do Relatório

O relatório final está sujeito a diversos mecanismos de controle que visam assegurar sua conformidade com os requisitos legais e constitucionais. O primeiro nível de controle é exercido pela própria autoridade julgadora, que pode discordar das conclusões da comissão e fundamentar sua divergência na decisão final.
O controle recursal permite que o servidor questione as conclusões do relatório através de recursos administrativos dirigidos à própria autoridade julgadora ou a instâncias superiores. Estes recursos podem apontar vícios na fundamentação, erros na análise das provas ou inobservância de garantias processuais durante a elaboração do relatório.
O controle judicial constitui a garantia final de legalidade do processo disciplinar, permitindo que vícios graves no relatório sejam identificados e corrigidos pelo Poder Judiciário. Os tribunais exercem controle sobre a observância do devido processo legal, a adequação da fundamentação e a proporcionalidade das conclusões apresentadas.
A revisão do processo administrativo disciplinar pode ser requerida quando surgem elementos novos que demonstram incorreção das conclusões do relatório original. Este instrumento permite correção de erros mesmo após o trânsito em julgado da decisão administrativa, assegurando que injustiças sejam reparadas quando descobertas posteriormente.
O controle interno dos órgãos públicos também pode identificar deficiências sistemáticas na elaboração de relatórios, promovendo capacitação das comissões processantes e aprimoramento dos procedimentos disciplinares. Este controle preventivo é importante para evitar vícios recorrentes e melhorar a qualidade geral dos processos disciplinares.
Considerações Finais
O relatório final do processo administrativo disciplinar representa documento técnico de extrema importância para a validade e eficácia de todo o procedimento disciplinar. Sua elaboração adequada exige conhecimento jurídico especializado, imparcialidade na análise das provas e cuidado na fundamentação das conclusões apresentadas.
Para as comissões processantes, a compreensão dos requisitos técnicos e legais do relatório é essencial para assegurar que o trabalho investigativo realizado produza os efeitos desejados. Relatórios bem elaborados conferem segurança jurídica ao processo e reduzem significativamente os riscos de questionamento posterior.
Para os servidores investigados e seus defensores, o conhecimento da estrutura e dos requisitos do relatório permite identificação de eventuais vícios e elaboração de estratégias defensivas adequadas. A análise crítica do relatório pode revelar falhas que comprometem a validade de todo o processo disciplinar.
Para as autoridades julgadoras, o relatório constitui instrumento fundamental para formação de convicção adequada sobre os casos submetidos a julgamento. A qualidade do relatório influencia diretamente a qualidade da decisão final e sua sustentabilidade em eventuais questionamentos.
A evolução da jurisprudência administrativa e judicial tem elevado progressivamente os padrões de qualidade exigidos para relatórios finais de PAD, tornando cada vez mais importante a observância rigorosa dos requisitos técnicos e constitucionais. Esta tendência reflete o reconhecimento de que a qualidade dos processos disciplinares está diretamente relacionada à proteção dos direitos dos servidores e à efetividade da função disciplinar da administração pública.
O investimento na capacitação técnica das comissões processantes e no aprimoramento dos procedimentos disciplinares constitui medida essencial para assegurar que o relatório final cumpra adequadamente sua função de síntese técnica imparcial e fundamentada do trabalho investigativo realizado.