Entenda como o TAC em processos administrativos disciplinares pode ser uma alternativa à punição e quais critérios regem sua aplicação.

A implementação do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no âmbito disciplinar do Poder Judiciário, regulamentada pelo Provimento CNJ 162/24, trouxe significativas mudanças no tratamento de infrações funcionais de magistrados. Uma das questões mais complexas e controvertidas que emergiram dessa nova regulamentação refere-se à possibilidade de aplicação retroativa do instituto a processos administrativos disciplinares já instaurados antes da vigência da norma, mas ainda pendentes de julgamento.
O Conselho Nacional de Justiça, através de decisões recentes, estabeleceu orientação clara sobre essa matéria, definindo critérios específicos para a celebração de TAC em procedimentos disciplinares anteriores ao Provimento 162/24. A análise dessa jurisprudência revela a complexidade dos aspectos temporais da norma e os fundamentos jurídicos que sustentam sua aplicação a situações pretéritas.
Fundamentos Normativos do TAC no CNJ
O TAC foi introduzido no ordenamento jurídico disciplinar do Poder Judiciário através do artigo 47-A do Regimento Interno do CNJ, posteriormente regulamentado pelo Provimento CNJ 162/24. O instituto representa uma evolução significativa na abordagem das infrações disciplinares, priorizando a resolução consensual de conflitos administrativos e a aplicação de medidas não punitivas quando adequadas à gravidade da conduta investigada.
A inspiração para a criação do TAC no âmbito administrativo encontra-se no Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal. Ambos os institutos compartilham a mesma filosofia: oferecer alternativa à punição tradicional através do cumprimento voluntário de condições específicas pelo investigado, evitando a imposição de sanções formais e promovendo a reparação de eventuais danos causados.
A regulamentação estabelecida pelo Provimento 162/24 define requisitos objetivos e subjetivos para a celebração do TAC, demonstrando a preocupação do CNJ em equilibrar a finalidade conciliatória do instituto com a necessidade de preservar a seriedade e a efetividade do sistema disciplinar. A norma não apenas cria o mecanismo, mas estabelece parâmetros claros para sua aplicação, evitando uso inadequado ou indiscriminado.
Requisitos para Celebração do TAC

O parágrafo 2º do artigo 2º do Provimento CNJ 162/24 estabelece critérios rigorosos que devem ser preenchidos pelo magistrado para ter direito à celebração do TAC. A análise destes requisitos revela a intenção de restringir o benefício a situações específicas e a profissionais que demonstrem condições adequadas para o cumprimento das obrigações assumidas.
O primeiro requisito refere-se à vitaliciedade do magistrado. A exigência visa garantir que apenas magistrados com estabilidade no cargo possam celebrar TAC, presumindo-se que profissionais vitalícios possuem maior comprometimento com a carreira e melhores condições de cumprir integralmente as obrigações assumidas. A vitaliciedade funciona como garantia de que o magistrado permanecerá no exercício da função tempo suficiente para implementar as medidas acordadas.
A ausência de outros processos administrativos disciplinares em andamento constitui o segundo requisito essencial. A norma proíbe a celebração de TAC quando o magistrado já responde a outro PAD, seja no CNJ ou no tribunal de origem. A restrição visa evitar a banalização do instituto e impedir que magistrados com histórico de infrações múltiplas utilizem o TAC como estratégia para evitar sanções em vários procedimentos simultaneamente.
O terceiro requisito estabelece vedação temporal relacionada a sanções disciplinares anteriores. O magistrado não pode ter sido apenado disciplinarmente nos últimos três anos, considerando-se as datas da nova infração e do trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena anterior. A restrição busca identificar padrões de conduta inadequada e reservar o benefício do TAC para casos isolados ou para magistrados que demonstraram efetiva correção comportamental após eventuais sanções anteriores.
O último requisito impede a celebração de TAC por magistrados que já utilizaram esse mecanismo ou instrumento congênere nos últimos três anos. A limitação temporal evita o uso repetitivo do instituto pelo mesmo magistrado, preservando seu caráter excepcional e garantindo que sirva efetivamente como instrumento de correção de conduta, não como meio habitual de evitar sanções disciplinares.
Questão Temporal: Aplicação Retroativa a Processos em Andamento
A definição do alcance temporal do Provimento CNJ 162/24 constituiu uma das questões mais complexas enfrentadas pela jurisprudência do Conselho. A norma não continha disposição expressa sobre sua aplicação a processos administrativos disciplinares instaurados antes de sua vigência, gerando incerteza sobre a possibilidade de celebração de TAC em procedimentos já em andamento.
O CNJ enfrentou essa questão através da Consulta 0003712-85.2024.2.00.0000, estabelecendo entendimento favorável à aplicação retroativa do TAC a processos disciplinares ainda não julgados. A decisão fundamentou-se em diversos argumentos jurídicos, destacando-se a analogia com o tratamento conferido pelo Supremo Tribunal Federal ao Acordo de Não Persecução Penal.
No julgamento do HC 185.913/DF, o STF admitiu a aplicação da norma que institui o ANPP a processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei 13.964/19. O precedente foi considerado pelo CNJ como orientação adequada para o TAC, dado que ambos os institutos compartilham a mesma finalidade: resolução de conflitos através do cumprimento de medidas não punitivas, evitando a aplicação de sanções formais.
A jurisprudência do CNJ enfatizou que a possibilidade de celebração de TAC em procedimentos disciplinares pendentes de julgamento preserva a finalidade do mecanismo e impede a adoção de soluções diferentes para sujeitos de direito que se encontram em idêntica situação jurídica. A orientação visa garantir tratamento isonômico entre magistrados, independentemente do momento de instauração do processo disciplinar.
A aplicação retroativa foi restrita, contudo, a processos ainda não julgados. A jurisprudência estabeleceu clara distinção entre procedimentos pendentes de julgamento e casos já decididos definitivamente. Processos com decisão final transitada em julgado não podem ser beneficiados pelo TAC, preservando-se a segurança jurídica e evitando a reabertura de situações já consolidadas.
Competência para Celebração e Homologação

A regulamentação estabeleceu competência específica para celebração e homologação dos TACs, distinguindo entre procedimentos instaurados após a vigência do Provimento 162/24 e aqueles iniciados anteriormente. A definição clara de competências visa garantir uniformidade na aplicação do instituto e evitar conflitos de atribuição entre diferentes órgãos do sistema de justiça.
Para procedimentos disciplinares instaurados antes da edição do Provimento CNJ 162/24, a competência para celebração e homologação dos TACs é exclusiva do Corregedor Nacional de Justiça ou dos Corregedores Gerais dos tribunais. A centralização da competência em órgãos correcionais superiores reflete a importância atribuída ao instituto e a necessidade de garantir critérios uniformes de aplicação.
A competência exclusiva dos Corregedores também se justifica pela expertise destes órgãos em questões disciplinares e pela necessidade de avaliação criteriosa dos casos que podem ser beneficiados pelo TAC. A análise requer conhecimento específico sobre a gravidade das infrações, as circunstâncias dos fatos e a adequação das medidas propostas aos objetivos do instituto.
A norma estabelece que a celebração e homologação dos TACs em processos anteriores ao Provimento 162/24 devem obedecer, no que for aplicável, às regras da norma regulamentadora. A ressalva permite adaptações necessárias decorrentes da natureza retroativa da aplicação, mantendo-se, contudo, os princípios e critérios fundamentais estabelecidos pelo provimento.
Limitações da Aplicação Retroativa
Embora tenha admitido a aplicação retroativa do TAC a procedimentos em andamento, a jurisprudência do CNJ estabeleceu limitações claras para evitar insegurança jurídica e preservar decisões já consolidadas. A principal limitação refere-se à impossibilidade de aplicação do instituto a processos já julgados definitivamente.
A Revisão Disciplinar 0002515-95.2024.2.00.0000 ilustra essa limitação ao analisar caso em que o tribunal aplicou pena de censura a magistrado em abril de 2024, antes da consulta que definiu a aplicação retroativa do TAC. O CNJ manteve a decisão, aplicando o princípio do tempus regit actum e esclarecendo que a orientação firmada na consulta não possui efeito retroativo para alcançar situações já consolidadas.
A decisão estabeleceu tese de julgamento importante: “A regularidade das decisões relativas a questões procedimentais em processos administrativos disciplinares deve ser aferida segundo as normas e interpretações vigentes à época de sua prolação, em observância ao princípio tempus regit actum.” A orientação preserva a segurança jurídica e evita questionamentos sobre decisões tomadas em conformidade com o entendimento então vigente.
O CNJ também esclareceu que o entendimento firmado na Consulta 0003712-85.2024.2.00.0000 não possui efeito retroativo para alcançar processos julgados pelo tribunal de origem. A limitação é fundamental para preservar a estabilidade das decisões disciplinares e evitar a reabertura indiscriminada de casos já decididos.
Finalidade e Impacto do Instituto

O TAC representa mudança paradigmática na abordagem das infrações disciplinares no Poder Judiciário, priorizando a solução consensual de controvérsias administrativas e a aplicação de medidas corretivas e reparatórias em lugar de sanções puramente punitivas. O instituto alinha-se com tendências modernas de resolução de conflitos, valorizando a efetividade da resposta sobre a severidade da punição.
A possibilidade de celebração de TAC permite que magistrados reconheçam eventuais inadequações em sua conduta e comprometam-se com medidas específicas de correção, evitando o desgaste de um processo disciplinar completo e a aplicação de sanção formal. O mecanismo beneficia não apenas o magistrado investigado, mas também a administração da justiça, que pode resolver a questão de forma mais rápida e eficiente.
A aplicação retroativa a processos em andamento amplia significativamente o impacto do instituto, permitindo que magistrados em situações similares recebam tratamento isonômico independentemente do momento de instauração do procedimento disciplinar. A orientação evita distorções temporais que poderiam gerar tratamento desigual entre casos semelhantes.
O TAC também contribui para a diminuição do estoque de processos disciplinares nos tribunais e no CNJ, permitindo que recursos sejam direcionados para casos mais graves que efetivamente demandam a aplicação de sanções disciplinares. A racionalização do sistema disciplinar beneficia toda a administração da justiça.
Considerações Finais
A regulamentação do TAC pelo CNJ e sua aplicação retroativa a processos disciplinares em andamento representa avanço significativo na modernização do sistema disciplinar do Poder Judiciário. O instituto oferece alternativa eficaz à punição tradicional, priorizando a correção de conduta e a reparação de eventuais danos sobre a imposição de sanções formais.
A jurisprudência consolidada pelo CNJ estabeleceu critérios claros para aplicação do instituto, equilibrando sua finalidade conciliatória com a necessidade de preservar a seriedade do sistema disciplinar. Os requisitos estabelecidos garantem que apenas magistrados em condições adequadas possam celebrar TAC, evitando banalização ou uso inadequado do mecanismo.
A definição da competência exclusiva dos órgãos correcionais para celebração e homologação dos TACs em processos anteriores ao Provimento 162/24 garante uniformidade na aplicação do instituto e critérios técnicos adequados para avaliação dos casos. A centralização também facilita o desenvolvimento de jurisprudência consistente sobre a matéria.
A aplicação retroativa, embora limitada a processos ainda não julgados, amplia significativamente o alcance do instituto e garante tratamento isonômico entre magistrados em situações similares. A orientação representa solução equilibrada que preserva a segurança jurídica de decisões consolidadas enquanto permite que procedimentos em andamento se beneficiem do novo mecanismo.
O TAC consolida-se, assim, como instrumento importante de modernização do sistema disciplinar, oferecendo alternativa eficaz e consensual para resolução de infrações de menor gravidade e contribuindo para a racionalização dos recursos destinados ao controle disciplinar no Poder Judiciário.