O que fazer quando você é reprovado na prova discursiva num Concurso Público?
Ou quando, mesmo aprovado, obtém uma nota baixa nessa prova, comprometendo sua posição na classificação no certame e, consequentemente, sua aprovação final?
Vale a pena entrar com recurso para tentar reverter a nota atribuída às questões discursivas?
E uma ação judicial? Quais situações justificam assumir o custo/risco de contratar um advogado para garantir seus direitos?
Neste artigo, elaboramos um pequeno guia para concurseiros que foram reprovados ou tiveram sua situação prejudicada injustamente em provas discursivas.
Que direitos têm o concurseiro e quais ferramentas estão disponíveis para lutar por estes direitos?
Advertência: este artigo não defende que é possível reverter a situação através de brechas legais ou de artimanhas jurídicas.
Para que você consiga reverter a reprovação, a banca precisa ter praticado alguma ilegalidade ou cometido um equívoco que justifique um recurso ou ação judicial, certo?
Então, vamos lá!
Quais os problemas mais comuns em provas discursivas?
O erro em prova objetiva é bem mais fácil de ser reconhecido e revisto pelas bancas organizadoras de concursos.
Ao contrário, o comportamento das bancas fica mais insensível ao erro nas provas discursivas.
Já ouvi de mais de um professor de cursinho dizer que a cada 10 recursos em provas discursivas, apenas um é deferido pela banca.
Não sei se a estatística é exata, mas pela nossa experiência com concurseiros, parece bastante fidedigna.
A correção de dezenas ou centenas de provas discursivas exige da banca muito trabalho e uma estrutura funcional cara e complexa.
Talvez por isso, as bancas não são sensíveis em admitir seus erros em recursos feitos pelos candidatos.
Mas, isso não quer dizer que a prova discursiva seja indiscutível ou irrecorrível.
Pelo contrário, existe um histórico de decisões judiciais favoráveis aos candidatos, o que mostra que as bancas nem sempre acertam na elaboração das questões ou na correção das mesmas.
Vamos ver agora algumas situações que podem gerar a possibilidade de recurso ou pedido de revisão de nova na esfera judicial.
Falta de previsão do tema tratado no Edital
Todos os temas, matérias, disciplinas e assuntos adotados nas provas, bem como os fundamentos da correção devem ser previamente informados, no edital, anexos ou publicações complementares do certame.
Além disso, é importante que a banca também informe sobre algum tipo de abordagem ou metodologia diferenciada.
Existe um princípio jurídico aplicado aos concursos públicos chamado “princípio da vinculação ao instrumento convocatório”.
Ele garante que, uma vez que o instrumento convocatório (o edital) estabeleça uma regra, todos os atos praticados no concurso estão vinculados a estas regras.
Essa vinculação garante a segurança jurídica na realização do concurso e atende ao princípio da moralidade administrativa.
Em resumo: o edital é a lei do concurso!
A banca não pode criar situações ou editar normas complementares posteriores que contrariem o que foi estabelecido no edital.
A realização das provas deve sempre seguir o edital.
Por isso, cobrar conteúdo ou usar de critérios de correção não previstos no edital pode comprometer o certame e gerar a nulidade dos atos praticados.
Questões discursivas com temas não previstos no edital, por exemplo, são nulas.
A Administração Pública fica obrigada a seguir os critérios que ela mesmo estabeleceu no edital, não podendo selecionar os temas abordados na prova, fora do que foi definido previamente.
Mas, atenção a este ponto.
Se for o caso de ter que ajuizar uma ação judicial porque foi cobrado algo sem previsão no edital, saiba que o posicionamento do STF sobre o assunto é restrito.
E o que isso quer dizer?
Que os Tribunais vão aceitar questionamento apenas nos casos em que houver evidente discrepância entre edital e o conteúdo exigido na prova.
“Evidente discrepância” significa que o tema cobrado na prova é totalmente fora dos assuntos estabelecidos no edital, e é muito claro e fácil identificar esse fato.
Dificilmente você conseguirá reverter a sua nota apenas por discordar do critério científico ou teórico adotado pela banca (caso ele tenha sido informado no edital).
Ter uma opinião diferente da banca não é motivo para anular uma questão.
Isso vale não só para a prova discursiva, mas para qualquer fase do concurso (prova oral, prova física, entrevista, etc.).
Confira como o STF tratou a matéria no Agravo de Instrumento – AI 779861 MG.
Falta de clareza e objetividade na elaboração das questões
Questões confusas, que fazem exigências polêmicas, ou que fogem muito dos padrões de conhecimento estabelecidos numa determinada matéria, são motivos para justificar uma anulação.
Candidato não tem que adivinhar o que a banca estava pensando quando elaborou a pergunta.
Questão discursiva mal elaborada ou dúbia é nula:
- enunciados muito genéricos, que não explicam exatamente o que o candidato tem que escrever;
- citação de conceitos ou teorias fora do contexto correto;
- erro ortográfico ou de digitação que comprometa a compreensão do enunciado;
Aspectos ligados ao domínio da linguagem podem ser exigidos
A banca examinadora também pode avaliar aspectos técnicos da redação do candidato.
A prova discursiva não analisa só o conhecimento, mas também a clareza de exposição, domínio do raciocínio lógico, uso correto da linguagem e aspectos gramaticais e ortográficos da escrita.
Elementos como coerência, coesão no desenvolvimento do tema, capacidade de expressão, concatenação lógica das ideias, podem ser levados em consideração na avaliação.
E estes são aspectos que normalmente derrubam mesmo os candidatos mais preparados.
Não adianta tentar argumentar “minha resposta está correta”, se ela não está clara, coesa, concatenada logicamente e fazendo o uso adequado da língua portuguesa.
Fique atento a isso: prova discursiva não avalia apenas se a resposta está certa ou errada.
Para isso, já temos a prova objetiva.
O candidato precisa saber qual será a abordagem cobrada nas questões
Seja no edital ou no enunciado das questões, a banca não pode deixar o candidato desinformado sobre a abordagem que será cobrada na prova.
Para assuntos que permitem mais de um tipo de abordagem, a banca deve informar qual abordagem deve ser adotada pelo candidato.
Por exemplo, se um tema do direito é abordado de maneira diferente pela doutrina, pela jurisprudência e pelo direito comparado, a banca deve indicar qual o caminho a ser tomado pelo candidato.
Ou então informar, no edital, que será cobrado posicionamento jurisprudencial sobre determinada matéria.
No caso de provas não jurídicas, se um assunto é polêmico e pode ser abordado por teorias ou metodologias diferentes, isso tem que ficar claro para o candidato.
Já tivemos casos de professores que foram reprovados em provas discursivas por terem adotado uma teoria que não era aceita pela banca.
Mas, no edital constava apenas o tema, de forma genérica, sem nenhuma especificação.
Correção absolutamente ilegal da banca.
Se a banca não dá informações com relação à abordagem cobrada, deverá aceitar a abordagem adotada pelo candidato.
Questões genéricas também não são cabíveis
Infelizmente, ainda são muitas as bancas que formulam questões genéricas, sem indicações precisas do caminho que deve ser tomado pelo candidato.
A banca não pode cobrar do candidato uma abordagem específica, quando o enunciado da questão é do tipo “discorra sobre o tema X”, como se fosse uma redação do ensino fundamental.
Aliás, já é questionável esse tipo de enunciado em provas de nível superior ou de cargos com alta exigência técnica.
Em caso de questões genéricas, a banca não poderá retirar pontos dos candidatos por não ter abordado pontos específicos ou remetido a uma abordagem específica.
Como já dito, o candidato não tem obrigação de adivinhar o que a banca estava pensando.
A correção da prova também deve ser objetiva
Não só a formulação das questões da prova, mas também a sua correção, devem ser objetiva.
Aliás, além de objetiva, a correção também tem que ser padronizada.
Critérios objetivos e padronizados de correção significam que candidatos que demonstrem desempenho semelhante não podem ter tratamento diferenciado na correção.
As questões discursivas são mais abertas do que as objetivas, mas a banca não pode, por este motivo, fazer uma correção genérica.
É obrigatório existir um padrão de correção, para evitar que o corretor atribua pesos diferentes a respostas semelhantes.
Por este motivo, muitos concurseiros montam grupos em redes sociais ou Whatsapp ou se encontram para compartilhar as correções de provas.
Eles buscam as incoerências e inconsistências na correção em diferentes provas, conferindo se respostas semelhantes foram corrigidos com pesos diferentes.
Devem ser adotados critérios homogêneos de correção da avaliação discursiva.
A utilização de critérios distintos de correção em situações idênticas viola o princípio da isonomia e fere a legalidade do ato, que pode ser questionado pelo candidato.
Espelho de correção ou padrão de resposta
O espelho de correção ou padrão de respostas de uma prova discursiva permitem que o candidato entenda o que foi considerado na questão, como sua questão foi corrigida e qual a pontuação atribuída para cada item considerado.
Após a realização das provas, a banca examinadora deve divulgar os critérios usados na correção das provas, seja na forma de espelho de correção ou em qualquer formato que permita ao candidato entender como sua prova foi corrigida.
O espelho de correção serve, também, para que o candidato formule seu recurso.
Com base nele, o candidato poderá questionar a correta adequação dos critérios de correção às suas respostas, ou mesmo à falta de previsão no edital de algum padrão adotado.
Por este motivo, não adianta publicar o padrão de respostas depois do prazo dado para o recurso, pois isso inviabiliza a defesa dos candidatos.
O ideal é que o padrão de respostas seja divulgado junto com o resultado preliminar da prova discursiva, possibilitando ao candidato avaliar a legalidade da sua correção e a correção da sua nota, com tempo razoável para elaborar o seu recurso, se for o caso.
Motivação na correção da prova
A correção da prova discursiva deve ser motivada.
Isso quer dizer que a banca é obrigada a dar os motivos (justificativa) que a fizeram subtrair pontos de um determinada questão.
Descontos precisam ser justificados e, infelizmente, muitas bancas não fazem isso.
Não basta ao candidato ter acesso à prova corrigida, é preciso que essa correção informe quais os erros cometidos e os motivos que fizeram a banca subtrair pontos das questões.
Mesmo porque, se o candidato não souber o que errou (e onde errou), não terá como formular recurso.
A motivação não precisa ser apresentada necessariamente no corpo da prova.
Se for apresentado um documento apartado da prova, deve ser possível ao candidato identificar a motivação da correção com os itens corrigidos.
Candidato tem o direito de saber o peso das questões
O candidato tem o direito de saber, ao realizar a prova discursiva, o peso de cada item na nota geral da prova.
É bom lembrar que as explicações sobre a correção não são apenas uma cortesia do corretor.
Os motivos devem ser dados para possibilitar ao candidato a possibilidade de recorrer das decisões da banca.
Deve ser respeitado o seu direito à ampla defesa e contraditório.
E quando o corretor aponta erros inexistentes?
Quando o corretor começa a usar o padrão de resposta de forma automática, sem uma consideração mais atenta às questões, é possível que ele indique erros que o candidato não cometeu.
Apontar erros inexistentes também é motivo de recurso e controle judicial da correção.
Provas discursivas devem ser desidentificadas
O princípio da impessoalidade obriga a Administração Pública a praticar apenas atos que tenham como finalidade o interesse público.
Ou seja, atos que visam a interesses pessoais, buscando favorecer ou perseguir quem quer que seja, serão considerados nulos.
Por este motivo, as provas discursivas em concursos públicos devem ser desidentificadas, antes de serem enviadas para a banca para a correção.
A reidentificação será feita após a correção, por meio de código de barras ou QR code.
O mais comum é que os corretores estejam todos no mesmo local ou, no caso de correção por meio eletrônico, que o corretor esteja isolado de outras pessoas.
O ideal é que a Administração Pública adote mecanismos que minimizem o caráter subjetivo da correção das provas discursivas, bem como interferências externas que permitam a identificação das provas.
Caso o candidato perceba que existe algum tipo de identificação de candidato ou grupo de candidatos, poderá questionar a validade da prova discursiva.
Isso pode ser alegado em recurso e em ação judicial, cabendo até a representação junto ao Ministério Público e Polícia Civil, por fraude no concurso.
O direito ao recurso
Vamos agora tratar do direito do candidato ao recurso.
Em caso de insatisfação com a correção de sua prova, o candidato poderá formular recurso administrativo junto à banca.
Lembrando que o presente guia não é um roteiro de como enganar a banca examinadora.
O recurso será eficaz na medida em que houve alguma ilegalidade na realização da prova ou se o corretor foi injusto na forma como corrigiu sua prova.
Na dúvida, recorra!
O recurso é uma peça elaborada sem maiores requisitos formais, endereçada à banca do concurso, para solicitar a reavaliação da nota preliminar da prova.
Em muitos casos, o recurso pode significar estar dentro (ou fora) do limite de vagas do certame.
Por isso que, na dúvida, melhor recorrer.
Ao recorrer, o candidato pode garantir uma pontuação melhor na prova discursiva e, também, melhorar sua colocação geral no concurso.
Toda a clareza, objetividade e transparência exigidas da banca na elaboração dos critérios e questões da prova, bem como na sua correção, atendem aos princípios da publicidade dos atos da administração pública.
A possibilidade de recurso é o que resguarda os direitos do candidato.
Recurso é garantia contra subjetividade natural do corretor
O recurso é a garantia contra a subjetividade natural do corretor.
Cada corretor de prova tem um estilo diferente de correção.
Por mais que exista um padrão de respostas, a diferença na interpretação de um corretor para outro pode significar que você perca alguns pontos na prova, e outro candidato, em iguais condições, não.
O recurso serve, dentre outras coisas, para tentar corrigir estas distorções inerentes à prova discursiva.
Afinal de contas, se os corretores atuam com subjetividade e corrigem provas em condições semelhantes, com pesos diferentes, não é o candidato que deve pagar o preço pela imprecisão na correção.
Limitar o direito de recurso do candidato também é ilegal
Como as bancas organizadoras sofrem a pressão de tempo e da escassez de recursos para executar a correção das provas, é comum que elas tentem limitar os direito dos candidatos ao recurso.
Uma situação comum é criar formulários com espaço limitado, definir um número específico de caracteres exigidos para o recurso.
Esse tipo de limitação, mesmo que prevista no edital, é absolutamente ilegal.
O direito de recurso dos candidatos é amplo, e não pode ser restringido nem por edital, nem por ato posterior da banca examinadora.
Negar acesso aos motivos do indeferimento do recurso também é uma forma de limitar o direito à defesa do candidato.
Em caso de indeferimento do pedido de revisão de nota, a banca deve explicar porque o recurso não foi aceito e porque não houve erro na correção.
Indeferimento com justificativa genérica também é ilegal e pode ser revista pelo Poder Judiciário.
- Obs. 01: cobrar taxa para recurso não é ilegal, desde que, claro, a cobrança não seja abusiva, inviabilizando o exercício do direito por parte do candidato.
- Obs. 02: prazos muito curtos para elaboração do recurso podem ser considerados como limitação do direito de recurso do candidato, a depender da complexidade ou extensão da prova.
Negar vista da prova é ilegal
A banca também não pode negar vista da prova discursiva ao candidato, muito menos prever essa negativa no edital.
Negar acesso à prova viola o direito de ampla defesa do candidato, tanto para um recurso quanto para uma ação judicial anulatória.
Também não pode ser imposto cláusula de sigilo ou de irrecorribilidade da aplicação das provas ou de qualquer tipo e avaliação, em qualquer fase do concurso.
Contudo, atenção: em concursos com provas discursivas, a banca pode estabelecer dois momentos no edital: o do recurso contra o padrão de resposta da prova, num primeiro momento; e o do recurso contra as notas atribuídas às questões, num segundo momento.
Desde que previsto no edital, é até possível vedar o recurso contra o padrão de resposta no segundo momento, pois já houve um primeiro momento para esta contestação.
Do ponto de vista logístico, é até mais interessante que a banca faça assim.
Imagine se o candidato recorre do padrão de resposta e o recurso é deferido, mas todas as suas provas já foram corrigidas.
A banca vai ter o retrabalho de corrigir tudo novamente, inclusive o dos outros candidatos, pois não podem ser aplicados critérios diferentes nas correções.
O importante é estar atento se a banca está tentando inviabilizar o direito de recurso do candidato, o que será considerado ilegal.
Respostas padronizadas em recursos também são ilegais
A banca não pode usar argumentos padronizados, do tipo “Control C + Control V”, para responder aos recursos interpostos pelos candidatos.
A resposta aos recursos deve ser individualizada.
Vale aqui a regra: cada caso é um caso, pois cada recurso apresenta uma razão diferente.
O banca deve responder para cada ponto levantado pelo candidato em seu recurso, por mais trabalhoso que isso possa ser.
Não importa que a banca tenha prazo para seguir o concurso, que não há estrutura funcional para responder os recursos ou que a prova foi muito complexa para entrar em detalhes.
É direito do candidato ter o seu recurso avaliado individualizadamente, item por item.
Mais uma vez ressalto a importância de manter contato com outros candidatos do concurso, para verificar se houve padronização nas respostas dos recursos.
A resposta padronizada em provas com respostas diferentes pode ser usada como prova em eventual ação judicial.
Numa eventual ação judicial, é fundamental que o candidato indique todos os itens que foram ignorados pela banca em suas justificativas para indeferir o recurso.
Isso é imposição direta do direito de ampla defesa e do contraditório em recursos administrativos.
Cuidado com a forçação de barra no recurso
Não tente, numa tentativa desesperada de mudar sua nota, forçar a barra no recurso.
Tentar convencer a banca de que ela errou na correção, e que você merecia uma nota maior, vai exigir de você boa argumentação e a indicação precisa de onde houve o erro ou ilegalidade.
Você precisa provar que o que você escreveu está certo, de acordo com a Lei, a jurisprudência, a doutrina majoritária, ou, no caso de provas de outras áreas, de livros ou artigos de autores reconhecidos na área.
Quanto mais objetivo, direto e pontual você for nos seus argumentos, maiores chances você tem de convencer a banca na sua defesa.
Mas, lembre-se: a maioria dos recursos de provas discursivas são negados.
Tenha consciência se você está fazendo o recurso para conseguir algum pontinho no desespero, ou se houve uma injustiça na correção que precisa ser corrigida.
Mesmo porque, ainda existe o risco da banca diminuir sua nota.
Mas a nota da prova pode diminuir após o recurso?
Esse é um grande medo de muitos concurseiros.
Recorrer da prova discursiva e a banca diminuir sua nota.
Quando o gabarito de provas objetivas é alterado, você deixa de ganhar pontos, na pior das hipóteses.
Já na correção da prova discursiva, que tem caráter pessoal, se a nota do candidato mudar, muda apenas para ele.
Na prática, é possível que isso aconteça mesmo, principalmente se o candidato faz o recurso do tipo “forçação de barra”.
Contudo, com a Lei 9.784/99, que passou a regulamentar o processo administrativo no Brasil, não se admite mais a chamada reformatio in pejus, ou seja, reforma para prejudicar.
A posição dos Tribunais é majoritária, no sentido de não aceitar que recursos prejudiquem a situação de candidatos em concursos públicos.
Mas, esse é o posicionamento dos Tribunais.
Isso significa que a banca poderá diminuir injustamente sua nota em um eventual recurso.
Nesse caso, a única saída será recorrer ao Poder Judiciário para corrigir a situação.
A possibilidade de representar no Ministério Público
Além da possibilidade do recurso, o candidato que se deparar com uma ilegalidade óbvia no concurso pode fazer uma representação no Ministério Público, para que ele proponha uma ação civil pública ou celebre um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta).
Por exemplo, caso haja uma recusa em aceitar os recursos dos candidatos, ou alguma ação que restrinja o direito de recurso.
Ou, ainda, caso haja alguma cobrança claramente não prevista no edital.
Como devo fazer o recurso?
O recurso pode ser dividido em três partes: (1) fatos; (2) fundamentos; (3) pedidos.
Os fatos consistem na narração objetiva do que está errado na sua prova.
Os fundamentos são as justificativas que sustentam a sua narração (lei, jurisprudência, posição dos especialistas, falta de previsão no edital, etc.).
O pedido, para provas do tipo, pode ser:
- anulação da prova;
- correção de uma resposta;
- alteração da pontuação de uma resposta.
Lembre-se do pouco tempo que as bancas têm para avaliar recursos.
Quanto maior e prolixo o seu recurso, menor a chance que você tem dele ser devidamente apreciado.
Evite transcrição de textos e citações longas e vá direto ao ponto.
Não recorra de tudo, mas apenas daquilo que efetivamente está errado ou envolve algum tipo de ilegalidade.
Lembre-se: OS PRAZOS PARA RECURSOS DE PROVAS DISCURSIVAS SÃO CURTOS.
Não demore demais!
Vale a pena contratar um profissional para elaborar o recurso?
Sempre acreditei que vale mais a pena pagar um professor de cursinho, um advogado ou uma empresa especializada para elaborar seu recurso, do que tentar recorrer por conta própria.
Principalmente, se você não é da área jurídica.
Não estou fazendo propaganda velada do nosso escritório, pois não atuamos no recurso junto à banca, só em ações judiciais.
É uma observação prática mesmo, baseada na experiência com demandas envolvendo concursos públicos.
No geral, o candidato está esgotado física e mentalmente após a prova, e, muitas vezes, abalado emocionalmente com o resultado desfavorável da correção da prova.
Assim, não terá condições de dar o seu melhor na elaboração do recurso.
Além disso, pode não estar a par dos detalhes técnicos na elaboração de um recurso e acaba fazendo uma defesa fraca.
Sem contar que, não é recomendado, mesmo para profissionais da área jurídica, fazer defesa em causa própria.
Muitos colocam a emoção na defesa, perdendo a razão e a oportunidade de realmente convencer a banca de seus próprios erros e ilegalidades.
E se o candidato perder o recurso?
Se o candidato perde o recurso da prova discursiva, não consegue alterar a sua nota e isso o deixa fora do concurso, resta ainda a possibilidade de revisão judicial.
Agora, o que deve ser avaliado é se vale a pena ajuizar uma ação judicial, uma vez que ela envolve despesas consideráveis.
Eu havia dito que, na dúvida, recorra (à banca).
No caso de ação judicial, é preciso considerar outros fatores.
Vamos a eles!
Quando o Poder Judiciário é uma alternativa?
Judiciário não pode substituir a banca na correção da prova.
A coisa mais importante que você precisa saber sobre revisão de questões discursivas é essa: juiz não pode substituir a banca na correção da prova.
É vedado ao Poder Judiciário substituir a comissão examinadora na formulação e na avaliação de mérito das questões que envolvam formulação ou avaliação, e atribuição de notas às provas nos certames públicos.
O Poder Judiciário pode analisar e verificar os atos praticados pela Banca organizadora de um concurso, apenas sob a ótica da legalidade.
Ou seja, se algum ato contrário à lei for praticado, o ato deve ser revisto judicialmente.
Por exemplo, a inobservância do conteúdo programático previsto no edital do certame.
Essa é a regra!
E existem exceções?
Sim, existem.
Existem situações de ilegalidade no mérito da elaboração de algumas questões, ou na forma como elas são corrigidas que obrigam o Poder Judiciário a uma revisão neste sentido.
Inconsistências evidentes na elaboração de provas, na atribuição de notas ou na obediência a critérios estabelecidos (ou não) no edital podem se sujeitar ao controle judicial.
O magistrado atuará no sentido de corrigir os chamados vícios formais (erros no procedimento e na aplicação da Lei), mas também nos erros materiais (na elaboração e correção das provas).
Já é comum que o Judiciário entre no mérito da correção de questões de provas, quando o erro é gritante ou evidente.
Inclusive, em casos em que o erro da prova ou correção tem caráter jurídico, os juízes chegam a discutir o mérito da questão em detalhes, citando jurisprudência ou doutrina do assunto.
O juiz entende o Direito e tem competência para enxergar o erro, podendo analisar o mérito da correção e verificar erros ou na elaboração da questão ou na correção feita.
Mandado de Segurança nem sempre é a via adequada
Existe uma crença de que se um candidato tem algum problema em concurso público e o recurso feito à banca é indeferido, é necessário impetrar um Mandado de Segurança.
Quantos concurseiros já não ligaram aqui no escritório para perguntar se “fazemos Mandado de Segurança” para resolver problemas ligados a concursos públicos.
Por que esse foco no Mandado de Segurança?
O Mandado de Segurança é um remédio jurídico, previsto na Constituição, indicado para garantir direito líquido e certo.
No caso dos concursos públicos, seria indicado para situações onde não exista controvérsia, pois o direito do candidato é claro e pode ser exercido imediatamente.
O Mandado de Segurança é preferido porque é um tipo de ação com resultado mais rápido.
O procedimento é mais ágil e por isso a decisão é dada com mais velocidade.
A rapidez da decisão ocorre porque neste tipo de ação não é permitida a dilação probatória, ou seja, a produção de provas em juízo.
Todas as provas devem ser produzidas fora e antes do processo (provas pré-constituídas).
Para garantir a rapidez do processo, não será admitido, por exemplo, audiência para ouvir testemunhas ou a espera pela produção de uma prova pericial.
Quando estamos diante de um concurso de natureza jurídica, onde só temos questões de matérias do Direito, o juiz pode avaliar a correção das questões por conta própria.
Não será necessário ouvir um perito.
O juiz tem a competência e conhecimento necessários para avaliar se houve ou não ilegalidade na correção de uma prova.
Se esse for o caso, o Mandado de Segurança, de fato, é a via adequada.
Também será tranquilo se a ilegalidade cometida tem a ver com falta de previsão de conteúdo em edital, quando a retirada de pontos da prova não é justificada ou quando a resposta ao recurso do candidato não é motivada.
Esses são, realmente, casos para mandado de segurança.
Agora, imagina um concurso para o cargo de Químico da Anvisa, por exemplo.
Se o candidato impetra Mandado de Segurança e o juiz entende que é preciso nomear um perito para avaliar uma suposta ilegalidade na prova do candidato, ele simplesmente denega a segurança.
O candidato perdeu tempo e dinheiro, e precisa ajuizar uma nova ação.
Por este motivo, é preciso sempre avaliar, caso a caso, se o remédio adequado é o Mandado de Segurança ou uma ação ordinária com pedido liminar.
Direito de recorreção da prova
Por fim, vamos tratar do direito do candidato pedir a recorreção da prova em juízo.
O candidato pode pedir, na ação, que sua prova seja recorrigida pela banca, quando há violação da isonomia?
Sim, pode!
Uma das situações que autoriza o juiz a mandar a banca recorrigir a questão é quando existem critérios diferentes na correção de provas com respostas semelhantes.
Exemplo: na correção de uma prova, a banca retira pontos por não ter citado um fato ou teoria relevante. Contudo, em outras provas em que esse fato ou teoria não foi citada, não a minoração da nota.
Na ação, o candidato pode trazer, como prova, a cópia da correção da prova de outros candidatos.
Espero que tenha gostado do nosso guia. Se ficou alguma dúvida, pode deixar aqui nos comentários que responderemos com prazer.
3 respostas
Dr. Sérgio, ziz um concurso para procurador em Paulo Afonso-Ba em 2021. A banca cometeu diversos erros, tanto que 75% da prova de civil da primeira fase (objetiva) foi anulada E além disso, mudou o gabarito de uma questão que é muito repetida em concursos, prejudicando-me. Como se não bastasse, fez na última fase (subjetiva) uma questão com 30 linhas, contendo tema totalmente fora do conteúdo do edital, era até de outra disciplina (Terceirização – direito do trabalho). Quando recorri judicialmente, a banca me chamou de babaca, e os juízes de lá fizeram vista grossa pro caso e não concederam liminar pra fazer de novo a prova. Segue até hoje a ação pedindo o refazimento ou a pontuação total.
Há chances de alteração do espelho de correção quando a banca perguntou no tópico x e o padrão de resposta desvia para outro assunto tangencial?
*perguntou algo