Entenda os riscos, para o servidor público, de enfrentar um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) com doenças psíquicas como a depressão.
Dona Heloísa (nome fictício), servidora pública há mais de 10 anos, sempre foi uma profissional assídua e com ótimo desempenho de suas atribuições.
Contudo, casou-se com um homem violento, e isso quase levou à perda de seu cargo público.
E como isso aconteceu?
Se você é servidor público, provavelmente já deve ter utilizado a licença para tratamento de saúde.
Essa licença é um direito de todos os servidores, e tem previsão legal no estatuto dos servidores públicos.
Pegando a Lei dos Servidores Federais (Lei 8.112/90) como exemplo, temos os artigos 202 e 203.
Art. 202 – Será concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a que fizer jus.
Art. 203 – A licença de que trata o art. 202 desta Lei será concedida com base em perícia oficial.
Quando estamos diante de um problema físico de saúde, como uma cirurgia na coluna, na qual o servidor deverá ficar 60 dias sem andar, não há maiores dificuldades para que a perícia oficial defira o pedido de licença requerido pelo servidor.
Agora, não é tão simples essa situação quando estamos lidando com doença psíquicas.
Neste artigo, vamos mostrar os riscos, para o servidor público, de enfrentar um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em situações de doenças psíquicas como a depressão, e como lidar com a situação para não ser demitido do cargo.
O caso da Dona Heloísa
No caso da Dona Heloísa, ela entrou em um quadro grave de depressão, pois ela e seu filho eram agredidos constantemente pelo marido.
Apesar de ter quase uma dezena de laudos médicos atestando seu quadro crítico de depressão, como já estava com várias licenças, e dada a carência de servidores no órgão, a médica da junta oficial, em sua última perícia, mudou sua posição.
Não concedeu a licença, recomendando que Dona Heloísa retornasse imediatamente ao trabalho.
Sem condição alguma de retornar às suas atividades, Dona Heloísa faltou por mais de 60 dias seguidos, só conseguindo retornar ao trabalho quando obteve o amparo judicial para que seu ex-marido se afastasse dela e de seu filho.
Agora, pense comigo: além dos problemas no trabalho, D. Heloísa teve que lidar ainda com uma ação judicial na vara de família.
E, mesmo tendo voltado ao trabalho, é surpreendida com uma notificação de que havia sido instaurado um PAD contra ela, e que ela poderia ser demitida por conta das suas ausências, até então, injustificadas.
E agora, o que ela pode fazer para se defender?
O que é, afinal, abandono de cargo?
Antes de falarmos sobre a defesa da Dona Heloísa, vamos entender o conceito de abandono de cargo, considerando o estatuto dos servidores públicos federais.
De acordo com o art. 138, da Lei 8.112/90, configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor no serviço por mais de trinta dias consecutivos.
Boa parte dos estatutos estaduais e municipais também seguem esse mesmo lapso, de mais 30 dias seguidos, como o tempo suficiente para configurar o abandono de cargo.
Agora, vejam só a importância desse dispositivo.
Não basta a ausência por mais de 30 dias seguidos para configurar o abandono de cargo; é necessário que essa ausência seja intencional.
Mas, e no caso da Dona Heloísa?
O pedido de licença que ela requereu não foi aceito, então ela deveria retornar ao trabalho imediatamente.
Então a ausência dela foi intencional?
É claro que não!
Conforme falamos acima, Dona Heloísa se encontrava com um quadro grave de depressão, e mesmo que a perícia tenha entendido de maneira diversa, ela não pode ser demitida por sua ausência.
Isso porque, na ausência dela, faltou o requisito conhecido no Direito como animus abandonandi, que nada mais é que a intenção de faltar ao serviço.
Sem essa intenção, mesmo que o servidor fique ausente por período superior a 30 dias seguidos, ele não pode ser demitido por abandono.
Mas isso não pode servir de subterfúgio para que o servidor se ausente do trabalho e tente uma manobra “legal” para não ser punido.
Nada disso!
O animus abandonandi existe para se evitar injustiças dentro da Administração Pública.
No caso da Dona Heloísa, demiti-la por se ausentar por mais de 30 dias, tendo em vista que a perícia entendeu que ela não estava com quadro de depressão, seria uma injustiça sem precedentes.
Outros casos de abandono de cargo
Agora, se um servidor se ausenta para viajar ao exterior, ou mesmo para trabalhar em outro local, aí está caracterizado a intenção de faltar ao serviço.
Neste caso, o servidor deverá ser demitido, após a instauração do PAD.
A questão do animus abandonandi deve ser considerada com muita cautela pela comissão do Processo Administrativo Disciplinar.
Essa situação é tão comum, que no Estatuto dos Servidores do Estado do Rio Grande do Sul, existe a previsão de que o chefe imediato do servidor deve ir atrás de informações externas, quando este começar a faltar ao serviço.
Lei Complementar 10098/94 RS, art. 247 – É dever do chefe imediato conhecer os motivos que levam o servidor a faltar consecutiva e frequentemente ao serviço.
Parágrafo único – Constatadas as primeiras faltas, deverá o chefe imediato, sob pena de se tornar co-responsável, comunicar o fato ao órgão de apoio administrativo da repartição que promoverá as diligências necessárias à apuração da ocorrência.
Perceba que, se o chefe imediato do servidor faltante não tomar as devidas providências, ele pode ser responsabilizado por omissão.
Ao nosso ver, esse artigo do Estatuto do Rio Grande do Sul é de muita valia para a eficiência da máquina pública.
É justo com o servidor público, e resguarda a Administração Pública de demitir um servidor indevidamente.
Isso porque, diante da obrigação do chefe imediato de apurar os motivos de ausência do servidor, fica fácil de saber se a ausência dele tem ou não o tão falado animus abandonandi.
Uma vez constatado que não há intenção de faltar por parte do servidor, não será necessária mobilizar a máquina pública para um processo administrativo disciplinar com o intuito de demiti-lo.
É claro que devem ser tomadas as medidas necessárias para apurar e evitar novas ausências injustificadas do servidor público.
Mas a máquina pública deve ser eficiente, e evitar PAD’s desnecessários.
Uma simples investigação prévia por parte da chefia imediata já é capaz disso, economizando o tempo e dinheiro gastos com Sindicâncias e Processos Administrativos.
E se não houver investigação e for instaurado PAD?
A maioria dos Estados e Municípios não contam com uma legislação avançada como a do Rio Grande do Sul.
Infelizmente, em casos de ausências “injustificadas”, independente do motivo, será instaurado o PAD.
Nesse caso, caberá ao servidor comprovar, no PAD, que haviam motivos justificáveis para sua ausência (como questões médicas), e que não houve a intenção de faltar.
Vale mencionar que essas situações não acontecem somente por questões médicas/psíquicas.
É muito comum o desencontro de informações.
Um caso gritante desse tipo situação foi o do setor administrativo de um determinado órgão público que não informou a um servidor de licença, por interesse particular, sobre o encerramento antecipado desta licença.
Sem saber, ele acabou respondendo a um PAD (pasmem) por abandono de emprego!
Outro caso!
Por interesse da administração, um professor, que foi enviado pelo próprio órgão para um projeto específico de um Ministério a uma outra cidade (veja só), acabou respondendo por abandono de emprego, por não ter dado aulas neste período em que estava envolvido com o projeto.
Dois exemplos de PAD por abandono de emprego por erro no processamento das informações dentro do órgão.
Lei importantíssima nos PADs que ninguém conta
Existe uma lei importantíssima que deve ser levada em conta, para quem responde a PADs: a lei do “cada caso é um caso”!
Existem muitos fatores que influem neste tipo de processo.
Da falta de conhecimento técnico da comissão que processa e julga o PAD, à particularidades nas Leis de cada ente federativo.
Muitas vezes, não há uma comissão permanente de PAD no órgão.
Ou, existem os casos em que o PAD é usado como instrumento de perseguição.
Temos vários artigos publicados aqui sobre Perseguição em PADs.
Vale a pena dar uma pesquisada no assunto clicando aqui.
Como cada caso é um caso, o servidor deve se munir de todos os documentos e testemunhas necessárias para evitar uma demissão injusta por abandono de emprego.
Não dá para confiar apenas no sistema.
Temos que ter em mente que a Administração Pública no Brasil é muito grande e burocrática, e a falta de um documento, ou a perda de uma informação, pode causar sua demissão.
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