Prescrição no Processo Administrativo Disciplinar: como funciona?

Quando começa o prazo de prescrição no Processo Administrativo Disciplinar? Uma Sindicância suspende o prazo de prescrição? Veja as respostas neste artigo!

Prescrição no Processo Administrativo Disciplinar escrito com fundo azul escuro

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é um instrumento da Administração Pública destinado a apurar a responsabilidade do servidor por praticar alguma infração no exercício de suas atribuições.

Essa apuração deve ser feita respeitando o direito ao contraditório e à ampla defesa, garantindo ao servidor investigado a possibilidade de arrolar testemunhas e produzir provas que possam lhe ajudar durante o processo.

Após essa investigação, e diante dos elementos colhidos durante o processo, a Comissão de PAD pode – e deve, se for o caso – aplicar uma pena ao servidor acusado, proporcional à falta cometida.

Contudo, a aplicação dessa penalidade precisa respeitar o prazo prescricional previsto em lei, que, caso já tenha se exaurido, impede que a Administração aplique a punição ao servidor, mesmo quando comprovada a infração.

Neste artigo nós vamos explicar o que é e como funciona a prescrição no Processo Administrativo Disciplinar.

O que é Prescrição no Processo Administrativo Disciplinar?

Quando um agente público comete uma infração, a Administração Pública possui um tempo limitado para puni-lo. Se esse prazo for ultrapassado, mesmo quando ficar comprovado a conduta irregular do servidor, a Administração não poderá mais condená-lo.

Esse instituto jurídico, que limita o tempo de atuação da Administração Pública na hora de punir o servidor, se chama prescrição.

Prescrição no Processo Administrativo Disciplinar simbolizado por uma ampulheta.

Embora pareça algo simples de ser aferido – afinal de contas, bastaria contar o tempo entre a infração disciplinar e a aplicação da pena – a prescrição é um tema que gera bastante discussão no decorrer dos PAD`s, e até mesmo quando as demandas são levadas ao Poder Judiciário.

O debate a respeito da prescrição acontece por causa de vários fatores, dentre eles destacamos o início da contagem desse prazo. Antes de falar sobre isso, vale a pena darmos uma olhada no que diz a Lei n. 8112/90 a respeito dos prazos prescricionais:

Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I – em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II – em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III – em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.

Segundo o Estatuto do Servidor Federal (Lei nº 8.112/90), o prazo prescricional para a Administração Pública aplicar a pena de demissão ao servidor é de 5 (cinco) anos. Esse prazo se inicia, em tese, a partir do momento em que a infração se tornou conhecida.

O início desse prazo, apesar de parecer uma situação fácil de se verificar, não acontece de forma tão simples na prática. E o imbróglio começa com a pergunta:

“Quem deve ter conhecimento da infração para que se inicie o prazo prescricional?”

Pois bem!

O Manual de PAD da CGU (Controladoria-Geral da União) informa que o prazo prescricional só começa a correr quando a autoridade competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar toma conhecimento da infração cometida pelo servidor público.

capa do manual do pad, que fala de Prescrição no Processo Administrativo Disciplinar
Capa do Manual de PAD

Esse entendimento também é seguido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDORA DO INSS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CONHECIMENTO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. INSTAURAÇÃO DO PAD. CAUSA INTERRUPTIVA. PRESCRIÇÃO AFASTADA. PORTARIA INAUGURAL. DESCRIÇÃO DETALHADA DOS FATOS IMPUTADOS É EXIGÍVEL APENAS COM A PORTARIA DE INDICIAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM, POIS OS FATOS PELOS QUAIS JÁ PUNIDA A IMPETRANTE NO PRIMEIRO PAD FORAM EXCLUÍDOS DO SEGUNDO. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL PARA QUE SERVIDOR QUE PARTICIPOU DE UMA COMISSÃO PROCESSANTE VENHA A PARTICIPAR DE OUTRA. PENALIDADE DE DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ORDEM DENEGADA. 1. Mandado de segurança contra ato do Ministro de Estado da Previdência Social, que aplicou a pena de demissão a servidora do INSS, nos termos dos arts. 117IX e 132XIII da Lei n. 8.112/90, por haver-se valido do cargo em detrimento da dignidade da função pública, praticando uma série de irregularidades na concessão de benefícios previdenciários. 2. A impetrante sustenta violação a seu direito líquido e certo por: I. Ter-se operado prescrição; 3. A Lei 8.112/90, ao versar sobre a prescrição da ação disciplinar (art. 142), prevê como seu termo inicial a data do conhecimento do fato pela autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar (§ 1º do art. 142), cujo implemento constitui causa interruptiva (§ 3º do art. 142). 7. Proporcionalidade na aplicação da penalidade verificada, dada a gravidade da infração praticada pela impetrante, considerada mais grave (porque dolosa) que aquela praticada pela outra servidora (culposa). A simples consumação do tipo do artigo 117IX, da Lei n. 8.112/1990 já seria suficiente para a aplicação da pena de demissão, nos termos do artigo 132XIII, do mesmo estatuto legal. Ademais, o valimento do cargo que se considerou praticado pelo impetrante consiste em típica hipótese descrita pela proibição legal contida no artigo 117IX, da Lei n. 8.112/1990. Caso em que não houve desvio de finalidade que merecesse censura na via jurisdicional. 8. Segurança denegada.

MS 20.615/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/03/2017, DJe 31/03/2017

Quanto ao julgado acima, não restam dúvidas de que o servidor deveria ser punido com a pena de demissão, tendo em vista que ele cometeu vários ilícitos ao conceder benefícios previdenciários de forma fraudulenta, se utilizando do cargo público para isso.

Mas, não é esse o ponto que queremos abordar.

Vamos falar a respeito do início do prazo prescricional, nos termos que o Manual da CGU e a jurisprudência do STJ entendem como marco de origem.

Para facilitar o entendimento da explicação, vou usar um caso hipotético como exemplo.

Imagine que Maria das Graças seja servidora pública da Secretaria de Educação de seu município, e passa em um processo seletivo para exercer um cargo de professor temporário na Secretaria de Educação do Estado, acumulando as duas funções públicas.

Logo após ser nomeada no novo cargo, Maria das Graças informa à sua chefia imediata que irá exercer o cargo temporário em conjunto com o cargo que já ocupa no município, uma vez que as cargas horárias são compatíveis e não trará prejuízos à Administração Pública.

Além disso, todo final de ano Maria das Graças atualizava seu imposto de renda junto ao órgão municipal, onde passou a constar o seu vínculo estadual temporário.

Bom, vamos considerar que essa situação tenha ocorrido em 2007, e que Maria teria trabalhado no vínculo temporário até 2009; em 2014 foi aberto um PAD contra ela para apurar se esse vínculo seria legal ou não, e em 2018 Maria das Graças foi demitida sob a alegação de que esse vínculo temporário caracterizou um acúmulo indevido de cargo público.

Essa punição seria legal? Não teria ocorrido a prescrição?

Se a gente levar em conta apenas o entendimento previsto no Manual da CGU e amparado pela jurisprudência do STJ (Súmula 635 STJ), se a autoridade competente para instaurar o PAD tiver tomado conhecimento dessa possível irregularidade somente em 2014, quando o PAD foi instaurado, não aconteceu a prescrição.

Mas, agora, veja o quão desproporcional é essa consideração de marco inicial para a contagem da prescrição.

Se Maria, lá em 2007, quando foi nomeada no novo cargo (temporário), informou à sua chefe imediata (que não era a autoridade competente para instaurar o PAD), e, no ano seguinte, ao declarar o seu imposto de renda, atualizou seus rendimentos e patrimônio junto ao município, não parece injusto contabilizar o início do prazo prescricional somente a partir de 2014, sete anos após o início do vínculo temporário?

Sem precisar entrar no mérito se tal acumulação de cargos seria lícita ou não, o fato é que a Administração Pública, nesse caso, teve condições de levar ao conhecimento da autoridade competente a informação de uma possível conduta irregular de Maria, e não o fez por desleixo interno.

Ora, todo servidor público tem como uma de suas responsabilidades a obrigação de levar ao conhecimento da autoridade pública uma eventual infração que tiver conhecimento. Veja o que diz o art. 116VI, da Lei nº 8112/90:

Art. 116. São deveres do servidor:

VI – levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração;

Ou seja, a partir do momento que Maria das Graças comunicou sua chefe imediata a respeito do novo vínculo (ainda em 2007), seria dever da chefe levar essa informação à autoridade competente para apurar a legalidade do acúmulo das funções.

Logo, não parece razoável que essa informação, a respeito do acúmulo de cargos, tenha chegado ao conhecimento da autoridade competente para instaurar o PAD somente em 2014, sete anos após o ocorrido.

Portanto, quando estiver respondendo a um PAD que tem possibilidade de estar prescrito, é muito importante que o servidor (ou o seu advogado) busque provas que demonstrem a possibilidade de a Administração Pública ter tomado conhecimento da suposta infração no momento em que ela ocorreu, ou o mais próximo possível do fato, para que o prazo prescricional comece a ser contado a partir daquela data, evitando que a Comissão de PAD alegue que não houve a prescrição porque a autoridade competente só tomou conhecimento muito tempo depois.

Esse argumento, aliás, tem sido cada vez mais utilizado durante a instrução dos processos administrativos disciplinares, principalmente pelas Procuradorias dos órgãos, com o objetivo de maquiar a incompetência e a letargia da Administração Pública, aplicando penas ilegais aos servidores públicos, que, na verdade, já estavam prescritas.

A instauração do Processo Administrativo Disciplinar ou de uma Sindicância suspende o prazo de prescrição?

A Súmula 635 do STJ diz que:

“Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido – sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar – e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.”

Eu preciso destacar dois pontos relevantes a respeito dessa súmula.

O primeiro deles é o fato de o prazo da prescrição ficar suspenso quando for instaurada uma sindicância punitiva.

O que isso significa?

O nosso ordenamento jurídico prevê duas modalidades de sindicância, a investigativa e a punitiva.

A primeira – SINVE – é um procedimento de caráter preparatório, destinado a investigar falta disciplinar praticada por servidor ou empregado público, quando a complexidade ou os indícios de autoria ou materialidade não justificarem a instauração imediata de um PAD.

Nesse tipo de sindicância – investigativa –, a Administração Pública não pode aplicar nenhum tipo de punição ao servidor ou empregado público, e o principal que você precisa saber é que esse tipo de sindicância não suspende o prazo prescricional.

Já o segundo tipo de sindicância, que é a acusatória (SINAC), é o procedimento legal instaurado para apurar responsabilidade de menor potencial ofensivo, devendo ser respeitado a regra do devido processo legal, por meio do contraditório e da produção de provas.

Nesse tipo de sindicância, o servidor pode ser punido com advertência ou suspensão de até 30 dias, e a sua instauração suspende o prazo prescricional durante 80 dias (sendo 30 dias prorrogável por igual período, mais 20 dias para a decisão).

Além disso, se durante a sindicância acusatória a comissão entender que o caso se trata de infração que deve ser punida com demissão (ou suspensão maior que 30 dias), deverá ser instaurado um PAD para este fim, já que as punições que podem ser aplicadas em sede de sindicância são bastante limitadas.

A partir daí surge uma grande dúvida, que é o segundo ponto que eu queria destacar a respeito da súmula 635 do STJ:

Se o prazo prescricional foi suspenso por 80 dias no ato de instauração da sindicância acusatória, e foi aberto um PAD em seguida, esse prazo é novamente suspenso (agora em 140 dias) por causa da abertura do processo administrativo disciplinar?

A resposta é negativa!

A suspensão do prazo prescricional só acontece uma vez, seja na instauração do PAD ou da sindicância acusatória (lembre-se que não ocorre a suspensão em caso de sindicância investigativa).

Logo, se foi aberta uma sindicância acusatória antes do PAD, o prazo prescricional fica suspenso tão somente no ato de instauração da sindicância, não havendo nova suspensão de prazo com a abertura do processo administrativo disciplinar.

Em qualquer dos casos apresentados neste artigo, se a Administração Pública se recusar a reconhecer a ocorrência da prescrição no Processo Administrativo Disciplinar, o pedido pode ser feito junto ao Poder Judiciário.

Leia também:

Qual a diferença entre PAD e Sindicância?

É possível anular um PAD na justiça?

Como se defender corretamente em um PAD?

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