Servidor pode ser punido mesmo sem dolo? Entenda o que é infração disciplinar culposa e quando ela gera penalidade no PAD.

Uma dúvida frequente entre servidores públicos que respondem a processo administrativo disciplinar (PAD) é:
“Se eu não tive intenção de errar, posso ser punido mesmo assim?”
A resposta, embora desconfortável, é sim.
O ordenamento jurídico brasileiro admite a responsabilização por conduta culposa no âmbito disciplinar, o que significa que não é necessário que haja dolo (ou seja, intenção de cometer a infração) para que uma penalidade seja aplicada.
Neste artigo, explicamos o que é a infração disciplinar culposa, os seus requisitos, como ela se manifesta na prática e por que servidores precisam estar atentos mesmo em situações aparentemente inofensivas.
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Dolo x Culpa: qual a diferença no contexto disciplinar?
Em termos simples, o dolo é a vontade consciente de cometer a infração. Já a culpa ocorre quando há negligência, imprudência ou imperícia, sem que o servidor desejasse o resultado, mas ele surge por sua conduta descuidada ou inadequada.
No âmbito penal, via de regra, só se pune a conduta dolosa — salvo hipóteses expressas de crimes culposos, como homicídio culposo, por exemplo. No direito disciplinar, contudo, não há essa limitação.
A Administração Pública pode punir o servidor por condutas culposas, especialmente quando há previsão genérica de dever funcional e seu descumprimento.
Um exemplo clássico é o extravio de documentos públicos. Mesmo que o servidor não tenha agido com dolo, o simples fato de não ter observado o cuidado necessário no manuseio ou arquivamento de documentos importantes pode configurar infração culposa passível de sanção.
Servidor pode ser punido mesmo sem dolo: como identificar uma infração culposa no PAD?

Para que a conduta culposa seja punível, a Administração deve demonstrar:
- A existência de um dever funcional violado pelo servidor;
- O nexo causal entre a conduta do servidor e o resultado lesivo (ou potencialmente lesivo) à Administração;
- Que houve falha de cuidado, zelo, técnica ou atenção, ainda que sem intenção deliberada de causar prejuízo. A simples alegação de boa-fé ou de desconhecimento da norma não afasta, por si só, a responsabilidade disciplinar. A jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) e de diversas Controladorias Internas reforça que o servidor tem o dever de conhecer e cumprir os normativos que regem suas atribuições.
Cuidado com as condutas rotineiras: o PAD pode surgir de um simples descuido

Muitos servidores ainda acreditam que o processo administrativo disciplinar (PAD) está restrito a condutas extremamente graves, como corrupção, assédio moral ou desvio de recursos. No entanto, essa percepção não condiz com a realidade prática da administração pública.
Boa parte dos PADs instaurados diariamente nas repartições públicas tem origem em situações aparentemente simples, que fazem parte da rotina de qualquer servidor. São condutas corriqueiras, muitas vezes fruto de desatenção, sobrecarga de trabalho ou falhas na comunicação interna, mas que podem ser interpretadas como infrações funcionais.
Entre os exemplos mais comuns estão:
- Falhas em lançamentos de dados em sistemas oficiais, como erros em registros financeiros, de ponto ou de movimentação processual;
- Perda ou extravio de processos físicos ou documentos relevantes, ainda que sem qualquer intenção;
- Atrasos frequentes e injustificados, mesmo que de poucos minutos, quando reiterados ou sem justificativa aceita;
- Comunicação inadequada com o público ou entre colegas, incluindo respostas ríspidas, tom de voz elevado ou má condução de atendimentos;
- Descumprimento de normativos internos ou ordens superiores, por desconhecimento ou desatenção às atualizações normativas.
Essas condutas, embora não dolosas, podem sim configurar infração disciplinar culposa, ensejando penalidades como advertência, censura ou suspensão, conforme a gravidade do caso, a existência de reincidência e a repercussão do ato.
Mais do que nunca, é essencial que o servidor entenda que o PAD não depende da intenção de errar, mas da violação de um dever funcional. Por isso, a rotina profissional deve ser guiada pela cautela, pelo domínio dos normativos internos e pela busca contínua por atualização e boas práticas.
Além disso, é papel da Administração Pública, inclusive, orientar preventivamente os servidores, oferecendo capacitação, feedbacks formais e uma cultura institucional que favoreça o cumprimento consciente das normas — e não apenas a punição posterior ao erro.
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Servidor pode ser punido mesmo sem dolo: a defesa técnica e a argumentação na culpa

A existência de culpa não significa, automaticamente, que o servidor será punido. A ampla defesa permite ao representado contextualizar os fatos, apresentar provas, atestar ausência de dano, demonstrar condutas prévias exemplares e até argumentar sobre a atipicidade do fato ou a desnecessidade da sanção diante do baixo grau de lesividade.
Além disso, o defensor pode demonstrar:
- Falta de clareza em normativos internos, que justifique o erro;
- Ausência de dolo e inexistência de prejuízo, o que pode ensejar o arquivamento ou a aplicação da pena mais branda;
- Desproporcionalidade da penalidade, com base nos princípios da razoabilidade e da função educativa da sanção.
É aqui que entra a importância de uma defesa técnica bem estruturada. Isso porque, conforme a Súmula 665 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o controle judicial de um PAD se restringe ao exame da legalidade do procedimento — ou seja, à verificação da observância dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Isso significa que o Poder Judiciário não reavalia o mérito da decisão administrativa, salvo em situações excepcionais de flagrante ilegalidade, teratologia ou desproporcionalidade manifesta.
Portanto, se a defesa no PAD for mal feita, dificilmente a decisão será revertida na Justiça.
Por outro lado, uma defesa bem elaborada, com provas organizadas, narrativa coerente e invocação técnica dos princípios aplicáveis, pode tanto evitar a penalidade na via administrativa quanto fortalecer uma eventual ação judicial.
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Conclusão: atenção e preparo são a melhor defesa
O servidor público, mesmo bem-intencionado, pode ser punido por descuidos, falhas técnicas ou desatenção.
A infração disciplinar culposa é uma realidade — e muitas vezes subestimada.
Por isso, é essencial:
- Conhecer os deveres do cargo;
- Documentar procedimentos e decisões;
- Agir com zelo e profissionalismo mesmo em tarefas simples;
- E, diante da instauração de um PAD, buscar assessoria jurídica especializada.
Porque, na esfera disciplinar, a intenção pode não importar — mas a cautela, sim.