Servidor público pode sofrer interceptação telefônica no Processo Administrativo Disciplinar?

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Todo servidor público está sujeito a responder a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

E não imagine que isso só ocorrerá nos casos em que o servidor praticar algum ato irregular.

Ao contrário do que a opinião pública costuma divulgar, a maioria dos servidores passam toda a carreira no serviço público sem praticar uma irregularidade funcional sequer.  

Ocorre que o PAD, visto como o processo voltado para punição de servidores públicos, é também uma ferramenta à disposição da Administração Pública para averiguar os fatos e apurar os autores.

Assim, mesmo que o servidor não esteja envolvido em uma irregularidade, é dever da Administração instaurar o PAD quando houver indícios de irregularidades.

Perceba que isso é uma garantia também para o servidor.

Uma vez demonstrado pelo PAD que não houve irregularidade, ou que essa não foi cometida pelo servidor, não ficarão dúvidas soltas no ar.

E aqui entra um detalhe muito importante sobre o PAD, que muitos servidores desconhece, e que pode ter um impacto grande em sua vida pessoal.

Apesar do PAD ser um procedimento de cunho administrativo, seria possível, durante a sua tramitação, ocorrer a quebra do sigilo telefônico dos servidores investigados?

É exatamente este ponto que discutiremos no presente artigo.

A quebra de sigilo na Constituição

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De acordo com Constituição Federal, é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial.

Note que o sigilo é garantido para correspondência, telégrafo (sim, este meio ainda é usado no Brasil), nos dados telefônicos.

Mas, no caso das comunicações telefônicas, esse sigilo é relativizado.

Por meio de ordem judicial, esse sigilo pode ser quebrado para fins de investigação criminal ou instrução de processo criminal.

Como a Constituição garante que o sigilo de comunicações telefônicas só pode ser quebrado para fins de investigação ou ação penal, seria isso possível através de um PAD?

Como quase tudo no direito, depende!

Antes de explicarmos o porquê, vamos falar um pouco sobre interceptação telefônica.

A interceptação telefônica no Direito brasileiro

Vamos definir o que é a interceptação telefônica, para depois trazer alguns esclarecimentos importantes sobre este tema:

A interceptação telefônica, também intitulada quebra do sigilo da comunicação telefônica, é a captação e gravação de conversa telefônica, no mesmo momento em que ela se realiza, por terceira pessoa sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores.

Você já deve ter visto na TV vazamentos de interceptações telefônicas de alguma investigação ou processo criminal de políticos ou gestores públicos.

escuta-telefônica

A interceptação telefônica consiste na:

  • captação e gravação da conversa telefônica;
  • no momento da conversa (não depois);
  • feita sem o conhecimento ou consentimento das pessoas envolvidas na conversa.

Quando o juiz autoriza a interceptação telefônica, não se trata do histórico de conversas (aquele que sai no extrato telefônico), mas do acesso às conversas do investigado com seus possíveis comparsas ao telefone (seja fixo ou celular).

A interceptação telefônica só pode ser autorizada se cumprido três requisitos:

  1. Ordem judicial;
  2. Finalidade específica para investigação ou instrução criminal;
  3. Previsão em lei.

Nem mesmo as CPIs do Poder Legislativo podem decretar a interceptação telefônica, apenas um magistrado pode ordená-la.

Além disso, a finalidade específica da interceptação criminal é

  1. servir de base para uma investigação criminal, feita pela Polícia Federal, por exemplo; ou
  2. servir de prova para o processo, no caso de ter sido instaurada uma ação penal.  

Por fim, é preciso que exista uma lei regulamentando a interceptação telefônica.

E há, desde 1996: a Lei 9.296/1996.

Interceptação e escuta telefônica são coisas diferentes

Não confunda interceptação com a escuta telefônica.

A escuta é a captação ou gravação da conversa por uma terceira pessoa, mas com o conhecimento e o consentimento de um dos interlocutores.

Ou seja, um dos comunicadores está ciente da interferência na comunicação, está ciente da escuta.

Na interceptação, nenhum dos dois interlocutores sabem que existe uma interceptação da comunicação.

Mas, afinal, a interceptação pode ou não ser usada no PAD?

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Pelo que vimos até aqui, deu para perceber que a interceptação telefônica não pode ser feita por meio do Processo Administrativo Disciplinar.

Se nem CPI pode autorizar a interceptação, que dirá um PAD.

Mas, isso não quer dizer que uma conversa interceptada não possa ser usada como prova no PAD.

Ela pode ser usada como “prova emprestada”.

E como funciona isso?

Não é possível, no PAD, você pedir a interceptação telefônica.

Mesmo que você faça o pedido judicialmente, o juiz vai negar, pois faltará cumprir o requisito da finalidade específica.

Mas, e se houver uma ação penal em que se peça uma interceptação telefônica?

Se o conteúdo da interceptação for relevante para o Processo Administrativo Disciplinar, ela poderá ser usada como prova emprestada.

Para usar esse tipo de prova no PAD, será necessário pedir autorização ao juízo que produziu a prova na ação penal.

O posicionamento do STJ sobre a prova emprestada e um caso já julgado por este Tribunal

A possibilidade da prova emprestada no PAD é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que julgou o caso de de demissão de servidor público com prova emprestada no Mandado de Segurança 14.140-DF de 2009.

O caso em questão é um importante precedente jurisprudencial, que tem forte poder de influência sobre as decisões judiciais.

Neste caso, uma ex-servidora pública, demitida por improbidade administrativa, impetrou Mandado de Segurança para pedir a nulidade do PAD, porque teriam sido utilizadas as interceptações telefônicas decretadas no processo criminal.

A servidora foi investigada durante a operação Aatuaba, deflagrada pela Receita Federal, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

A operação tinha como objetivo apurar a possível prática de delitos fazendários e penais por parte de empresas sediadas nos Estados do Maranhão, Paraíba, Ceará e Pernambuco.

A servidora, que era chefe da Agência da Receita Federal de Patos (PB) na época, foi acusada de acesso indevido à base de dados da Receita Federal para obtenção de dados sigilosos de contribuintes e, posteriormente, fornecimento desses a pessoas não autorizadas.

A partir das acusações da Polícia Federal, foi instaurado um Processo Administrativo Disciplinar.

Contra a servidora, foi constatado que ela:

  • revelou segredo que ela tinha acesso em razão do cargo;
  • valeu-se do seu cargo para tirar proveito pessoal ou de terceiro, em detrimento da dignidade da função pública; e
  • cometeu improbidade administrativa, por prática de ato visando fim proibido e revelação de fato sob sigilo, conhecido em razão das atribuições, de forma desleal.

Durante as investigações do processo administrativo, foi solicitada ao juízo responsável pela ação penal, a autorização para o uso do laudo das interceptações telefônicas como “prova emprestada”.

A solicitação foi feita sob a justificativa de que eles poderiam comprovar, ou não, a participação da servidora no caso.

O pedido foi autorizado pelo juiz da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba.

A comissão processante, concluindo seus trabalhos, entendeu que a ex-servidora havia cometido os delitos.

O Ministério da Fazenda analisou as conclusões da comissão e demitiu a servidora.

A relatora do caso no STJ, ministra Laurita Vaz, concluiu que é descabida a alegação de nulidade do processo administrativo.

Para ela, a produção e utilização da interceptação telefônica no Processo Administrativo Disciplinar observou os ditames legais pertinentes, bem como os postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Conclusão

Para concluirmos nosso artigo, de forma bem objetiva, podemos dizer que é possível a utilização de interceptação telefônica em sede de PAD, mesmo que a comissão processante não tenha poderes para decretar, somente podendo se utilizar de tal como prova emprestada.

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