Concurso suspenso por investigação social: como contestar motivos injustos

Depois que a banca examinadora aprova o candidato em várias fases do concurso público, ele já demonstra conhecimento sobre os principais temas da área de atuação do cargo que pretende ocupar. Mesmo assim, o candidato ainda precisa passar por mais uma etapa importante do certame: a investigação social.

Com base na verificação de seu histórico de vida, o candidato pode ser reprovado quando suas condutas não são compatíveis com os deveres e responsabilidades do cargo público almejado.

Contudo, muitas vezes, a reprova na investigação social é injusta e desproporcional. Se o órgão responsável suspendeu o concurso ou reprovou você na etapa de investigação social por motivos que você considera injustos ou ilegais, é fundamental conhecer seus direitos. Você pode contestar essa decisão, tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial.

O que é a investigação social?

A fase de Investigação Social, também conhecida como Sindicância de Vida Pregressa, é uma etapa de caráter eliminatório que está presente em diversos concursos públicos, especialmente naqueles que se destinam a carreiras que exigem alto grau de confiança, responsabilidade e idoneidade moral, como as áreas de Segurança Pública (Polícia Militar e Civil, Bombeiros) e para concursos de topo de carreira como Ministério Público e Magistratura.

Nesta fase, o candidato será submetido a uma avaliação de sua conduta moral, social, funcional e ética, a fim de verificar a compatibilidade do seu histórico de vida com o órgão público no qual almeja ingressar e, especialmente, com o cargo pretendido. A análise é ampla e, geralmente, abrange diversos aspectos da vida do candidato, solicitando documentos e informações detalhadas.

Quando a eliminação por investigação social é abusiva?

Apesar do rigor, a banca ou o órgão público examinador não podem eliminar um candidato na fase de investigação social com base em critérios subjetivos, discriminatórios ou que violem princípios constitucionais. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidaram entendimento de que, nesses casos, a eliminação é ilegal por violar o princípio constitucional da Presunção de Inocência.

Condutas fora do serviço sem relação com o cargo

Na fase de investigação social, a banca pratica reprovação abusiva quando reprova o candidato com base em condutas que ele praticou fora do ambiente de trabalho e sem qualquer relação direta com o exercício das funções do cargo.

Além disso, para justificar a reprovação, é necessário que a conduta pretérita praticada pelo candidato seja incompatível com o exercício das atribuições do cargo. Assim estabeleceu o STF no Tema 1.190 de Repercussão Geral:

“A condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, não impede a nomeação e posse de candidato aprovado em concurso público, desde que a infração penal não seja incompatível com o exercício das atribuições do cargo.”

Fatos antigos superados

A jurisprudência dos tribunais superiores também tem protegido candidatos eliminados por fatos antigos, isolados e sem reiteração. Tal entendimento se aplica a candidatos que possuem passagens muito antigas por uso de drogas ou infrações de menor potencial ofensivo isoladas, que não se tornaram condutas reiteradas.

Quando a Administração elimina o candidato por atos passados que não se repetiram, ela aplica uma sanção de caráter perpétuo. A Constituição Federal proíbe esse tipo de punição.

Registros equivocados

Também são abusivas as reprovações de candidatos com base em registros pretéritos comprovadamente incorretos e desatualizados.

A Administração Pública tem a responsabilidade de agir sempre de forma motivada e com base na verdade material dos fatos. Assim, quando a banca reprova o candidato com base em registro errado — como nos casos de homonímia (pessoas com nome idêntico) ou de registros desatualizados — ela erra na motivação e vicia por completo o ato de reprovação. Nessa situação, a Administração deve anular o ato que reprovou o candidato.

Como recorrer de forma estratégica

Você foi reprovado na fase de investigação social de um concurso público e considera a decisão injusta? Ainda é possível tentar reverter essa situação. Primeiro, você pode apresentar um recurso administrativo contra a decisão. Nesse recurso, você precisa demonstrar de forma clara a ilegalidade ou a injustiça cometida pela banca ou pelo órgão avaliador.

O recurso deve demonstrar que o fato que embasou a decisão está incorreto ou que a Administração fundamentou essa decisão em motivação genérica. Também pode apontar que o fundamento adotado está em descompasso com a orientação jurisprudencial já consolidada.

Em todos os casos, o candidato deve ficar atento ao prazo estipulado no edital para interpor recurso. Também é de suma importância juntar todas as provas que sustentam o argumento que embasa o recurso, como certidões negativas ou decisões judiciais no sentido contrário ao adotado pela banca examinadora.

Se a Administração nega o recurso administrativo ou se a situação exige resposta mais rápida, a parte interessada pode recorrer à via judicial. Nessa etapa, a lei exige representação por advogado. Diante da complexidade do tema, torna-se essencial contar com a atuação de profissional especializado em Direito Administrativo e em concursos públicos.

E lembre-se: na via judicial, a estratégia mais eficiente é focar na ilegalidade da decisão. Uma vez demonstrado que a eliminação extrapolou os limites legais e os critérios estabelecidos no edital do concurso, violando direitos fundamentais como a presunção de inocência, será muito provável obter uma decisão favorável.

Caso real similar

Em 2020, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) acolheu mandado de segurança impetrado por candidato a curso de formação para policiais militares. A banca examinadora havia eliminado o candidato na fase de investigação social em razão de uma transação penal, que não configura condenação definitiva. O tribunal considerou a medida nitidamente desproporcional e ilegal. Veja a ementa do julgado:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO EM CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS DA POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. NÃO RECOMENDAÇÃO DO CANDIDATO NA ETAPA DE SINDICÂNCIA DE VIDA PREGRESSA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. REGISTRO DE OCORRÊNCIA POLICIAL. TRANSAÇÃO PENAL. ARQUIVAMENTO. EXCLUSÃO DO CANDIDATO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A existência de registro de ocorrência policial, de inquérito policial, que deu ensejo à transação penal, com o regular cumprimento das medidas impostas, não constitui circunstância apta a justificar a exclusão do candidato na fase de sindicância de vida pregressa, sob pena de violação aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da presunção de inocência. 2. Reconhecida a nulidade do ato administrativo que considerou o candidato inapto na etapa denominada Sindicância de Vida Pregressa e Investigação Social do Concurso Público de Admissão ao Curso de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal – CFP/QPPMC, deve ser assegurada a sua continuidade nas demais etapas do certame, observada a ordem de classificação. 3. Apelação cível conhecida e provida. (Acórdão 1255879, 07047407020198070018, Relator(a): NÍDIA CORRÊA LIMA, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 10/6/2020, publicado no DJE: 9/7/2020).

Em suma, o ponto central é demonstrar que a eliminação não se baseia em condenações ou punições definitivas, atuais e recorrentes. Também é preciso evidenciar que não decorre de comportamento atual e grave, incompatível de forma inequívoca com a função almejada.

Você pode ler mais em: Candidato excluído em investigação social reverte decisão

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