O Tribunal de Contas da União revogou a medida cautelar que havia suspenso um Pregão Eletrônico de uma licitação com um único participante.
O Tribunal de Contas da União revogou a medida cautelar que havia suspenso licitação com um único participante (Pregão Eletrônico para Registro de Preços) por suposta restrição à competitividade e contratação antieconômica.
No pregão, realizado pelo Instituto Federal de Ciências e Tecnologia do Espírito Santo (IFES-ES), em 12 de novembro de 2018, apenas uma empresa participou e foi a vencedora do processo.
O processo licitatório teve como objetivo a contratação de empresa especializada para o fornecimento de equipamentos de redes de dados, como switches, transceivers, cabos de empilhamento, rack e outros.
A empresa, que participou do pregão, realizado no dia 12/11/ 2018, foi a vencedora do certame, com uma proposta comercial no valor de R$ 9.322.316,30 (nove milhões, trezentos e vinte e dois mil, trezentos e dezesseis reais e trinta centavos).
Recentemente, publicamos em nosso Blog um artigo sobre as cautelares que suspendem indevidamente os pregões, pelos motivos acima apontados, principalmente a restrição à concorrência.
Confira o artigo Ganhei a pregão, mas o Tribunal de Contas suspendeu a licitação por Medida Cautelar: o que fazer?
Contudo, no caso que analisamos neste artigo, penso que a situação foi um pouco diferente.
Entendemos que não houve uma suspensão indevida do pregão, ainda que, ao final, a decisão tenha sido revogada.
Para entender melhor a decisão do TCU, propomos uma análise do caso, voltada, principalmente, para as empresas que buscam participar de processos licitatórios com maior segurança jurídica.
Entendendo a causa da licitação com um único participante
Ao analisar o processo, um primeiro detalhe nos chama a atenção.
O relator do processo, o Ministro Walton Alencar Rodrigues, reconheceu o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Este é um aspecto técnico importante, que interessa não só aos advogados em suas defesas técnicas, mas, também, às empresas que participam de licitações.
No Direito, a fumaça do bom direito e o perigo da demora na decisão são requisitos para providências de natureza cautelar.
As cautelares são decisões provisórias, mas elas costumam a ser mais rápidas, justamente pelo perigo na demora.
Para obter a cautelar, foi preciso demonstrar, ao mesmo tempo, que o direito pleiteado é plausível e que existia um perigo de dano iminente, caso o pedido não fosse concedido com urgência.
Na prática, o relator reconheceu que, caso o processo licitatório seguisse seu curso, com a celebração do contrato entre a empresa vencedora e o IFES, haveria o risco de uma contratação anticoncorrencial e antieconômica.
Isso representaria prejuízo não só para a entidade da Administração Pública, mas para o interesse público como um todo.
Não é nosso objetivo aprofundar o tema dos requisitos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, que, por si só, já valeriam um artigo independente, mas de interesse apenas de juristas.
O importante aqui é entender que, primeiro: a cautelar tem o poder de determinar que o ente administrativo não firme o contrato com a empresa ganhadora do Pregão Eletrônico, até a decisão definitiva sobre a representação em questão.
E, segundo: a cautelar, como decisão provisória, pode ser revista ao final do processo.
E foi o que, de fato, ocorreu.
Impacto desse tipo de decisão nas empresas
Perceba que, mesmo sendo revista ao final, o impacto deste tipo de medida na empresa vencedora é muito perigoso.
Prazos podem ser perdidos, variações de mercado (como o dólar, por exemplo) podem tornar a execução do contrato desvantajosa para empresa, sem contar no estresse gerado pela incerteza de qual seria, ao final do processo, a decisão definitiva do Tribunal de Contas.
As empresas que participam de licitações devem levar em conta este tipo de risco jurídico, já que eles também têm impacto direto nos fatos econômicos e operacionais do processo.
E por que a licitação com um único participante foi suspensa?
Como foi dito, no edital do pregão, a equipe de planejamento do IFES utilizou modelos da marca HP como referência, a fim de facilitar a identificação dos equipamentos pretendidos.
A ideia era abrir ao máximo as especificações de cada equipamento, mas sem perder as características técnicas que garantissem a preservação da continuidade dos serviços, bem como a compatibilidade com os equipamentos atuais e a facilidade de integração e operação.
O edital foi elaborado de tal forma que não fosse necessário fazer um “arranjo tecnológico” adicional, para garantir o pleno funcionamento da solução buscada.
Mesmo com a referência ligada à marca HP, as especificações técnicas podiam ser atendidas por, pelo menos, duas outras marcas do mercado, que poderiam ser contratadas, caso viessem a vencer o processo licitatório.
Contudo, se tratava de uma licitação de grande vulto e de alcance nacional.
O valor estimado para a licitação foi de R$ 14.834.933,82 (catorze milhões, oitocentos e trinta e quatro mil, novecentos e trinta e três reais e oitenta e dois centavos).
O fato de apenas uma empresa ter participado do pregão eletrônico foi indício suficiente, no entender do TCU, para suspender a contratação da empresa, ainda que numa decisão provisória, que desse tempo ao Tribunal para uma análise mais detalhada do caso.
Pregão com um participante é anticoncorrencial?
Uma outra coisa que chama atenção no processo.
Em 30/01/2019, o reitor do FIES prestou alguns esclarecimentos relativos ao processo licitatório em análise.
Por meio de ofício, ele informou que foi uma surpresa para todos que só uma empresa tenha participado do pregão.
Apesar do valor estimado em R$ 14.834.933,82, o pregão foi arrematado por R$ 11.198.136,00 (onze milhões, cento e noventa e oito mil e cento e trinta e seis reais).
Após a vitória, ainda houve intensa negociação por parte do pregoeiro, chegando-se ao valor final de 9.322.316,30 (nove milhões, trezentos e vinte e dois mil, trezentos e dezesseis reais e trinta centavos).
Um valor cerca de 37% menor do que o estimado.
Chegou-se a suspeitar que a participação de apenas uma empresa se deveu ao fato do preço estimado pela Administração ser muito justo (“sem gorduras”).
Esse é um fator que costuma desestimular a participação das empresas, tendo em vista os riscos e custos envolvidos num processo licitatório como este.
Contudo, conforme reconhecido pelo próprio Tribunal de Contas da União, em suas decisões, o fato de somente uma empresa se interessar pelo certame, não é condição, por si só, de anulação da licitação.
O que não pode ocorrer é que restrição na participação das empresas no processo licitatório seja consequência de alguma exigência ilegítima no edital.
Ou, então, de algum expediente malicioso do pregoeiro, no sentido de direcionar o certame para uma empresa específica.
A decisão do TCU de revogar a cautelar foi acertada?
No nosso entender, a decisão do TCU foi acertada.
Foi constatada a ausência de restrição ao caráter competitivo da licitação, bem como a não ocorrência de medidas antieconômicas.
Assim, o próprio TCU, que deu a cautelar suspendendo o pregão, revogou a medida e liberou o IFES a assinar o contrato com a empresa ganhadora do certame.
A lição mais importante aqui é que não configura, por si só, restrição ao caráter competitivo da licitação, quando apenas uma empresa participa do processo licitatório .
Além disso, ficou comprovado que na fase interna do procedimento, a equipe de planejamento do IFES se esforçou para obter orçamentos dos produtos que iriam licitar.
Além disso, todos os orçamentos obtidos eram em valores bem superiores aos 9,3 milhões de reais da proposta ganhadora.
Não houve restrição à competitividade mesmo sendo uma licitação com um único participante
Um detalhe importante: ao contrário do que possa parecer, o IFES não limitou a contratação para produtos da marca HP.
A marca foi usada apenas como referência, sendo perfeitamente possível que houvesse a contratação de outras duas marcas, caso elas tivessem sido ganhadoras do certame.
A referência à marca facilita a identificação dos produtos tanto pela própria HP, quanto pelos seus concorrentes.
O que aparentava ser uma restrição a uma participação competitiva das empresas no pregão era, na verdade, um expediente para facilitar a ampla participação concorrencial.
Assim como para a marca HP, bastaria cumprir os requisitos técnicos previstos no edital que qualquer empresa teria iguais chances de vencer o certame.
Não houve contratação antieconômica
Por fim, o fato do valor contratado ter sido 37% menor do que o estimado, confirma que não houve uma contratação antieconômica.
Ao contrário: é bem provável que as outras empresas não participaram do certame pela baixíssima margem de lucro que teriam, caso fossem ganhadoras.
No final das contas, a contratação foi bastante vantajosa para a Administração Pública.
O cuidado com as cautelares que suspendem licitações
Em nossa análise, também é importante destacar a importância das medidas cautelares dos Tribunais de Contas, em processos licitatórios.
Esse é um aspecto que nos preocupa muito, em nossa atuação voltada para este segmento de mercado.
Apesar de que neste caso, a suspensão da contratação foi justificada, o processo licitatório foi totalmente feito dentro da legalidade.
Por outro lado, é muito comum certames que incluem cláusulas restritivas de concorrência, com o objetivo de direcionar para algum ganhador específico.
Nesses casos, é importante que qualquer participante da licitação apresente recurso no momento oportuno, e se não obtiver êxito, deve levar a demanda para o Tribunal de Contas, ou até mesmo para o judiciário.
Só assim, a empresa pode evitar de participar de licitações com cartas marcadas, onde o procedimento ilegal ou até fraudulento beneficie o concorrente desleal.